Crônicas em vez de notícias de jornal. Boas histórias no lugar de opiniões de redes sociais. Filmes, músicas, passarinhos lá fora, qualquer coisa que te faça regozijar — mas não sem perder a capacidade de indignar. Adicione um pouco mais de fé na humanidade e está pronto: o suco detox contra o Bolsonaro.
Aprecie sem moderação.
No primeiro dia bate aquela abstinência. Como assim? Já é hora do almoço e eu ainda não quis esganar o presidente? Uma incompletude vai criando corpo até se transformar em frustração. A noite chega sem nenhum fio de cabelo arrancado do cocuruto. Significa dizer que sou um bunda mole. E vou dormir sem ler o jornal.
No dia seguinte acordo mais leve. Parece já não ser tão relevante saber se o presidente da República defecou palavra ou se ele falou estrume. Tanto faz. É como diz a Rita Lee. Tudo vira b… Bolsonaro.
E a vida vai ficando mais colorida nos próximos dias de desintoxicação. São quase 500 mil mortos. A vida cinza, acre e pútrida vai ficando mais rubra e negra. Não são as cores Flamengo. São sangue e luto, obra macabra do Governo Federal. Mas eu tenho Jimmy Page solando no meu fone de ouvido. E pego no sono ouvindo a guitarra de Since I’ve Been Loving You, em mais uma noite de purificação. Sinto-me pleno, elevado, superior. Covarde.
Ao fim da primeira semana de reabilitação contra a maconha estragada que é odiar o Bolsonaro, me ocorre que é dia de celebrar o ódio contra o Bolsonaro. Tenho uma recaída. Chamo a Dani para ir à Praça da Liberdade. Vamos manifestar. Mas e o vírus? Ela diz que é perigoso. Eu digo nada. Termino o dia assistindo, pela milésima vez, ao mesmo filme do Woody Allen. Já não sinto nada.
Dali a pouco, alguém me diz que o país do samba, do futebol e da pandemia vai sediar a Copa América. Um panelaço estoura nas janelas dos vizinhos, indicando mais uma aparição da assombração em rede nacional. Uma palpitação no peito recomenda um pouco mais de calma.
E já não posso deixar de fora aquele que se tornou o principal ingrediente dessa receita de suco detox. Ah, fluoxetina, minha amiga. Só não é melhor que o diazepam, meu irmão camarada.
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