Rosangela Maluf
Durante muitos anos em minha vida, correndo feito uma louca, pra lá e pra cá – trabalhando em horário integral, lecionando à noite para a Graduação e ocupada com os cursos de Pós nos finais de semana – pouco tempo me sobrava para o que quer que fosse.
Havia uma pessoa especial que me ajudava em tudo: com a organização da casa, da cozinha, com as crianças, as compras, tudo. Nas manhãs de sexta-feira íamos as duas, Dalvinha e eu, comprar flores na feirinha do Colégio Arnaldo. Eram vários quarteirões ocupados pelas barraquinhas que se espalhavam também pela Bernardo Monteiro. Uma maravilha para a visão e o olfato. Nunca demorávamos mais que uma hora, pois nós duas tínhamos, sempre, muito o que fazer. Voltávamos pra casa com os braços cheios de cores. Ela escolhia os vasos mais coloridos e eu, sempre os meus verdinhos preferidos: avencas, renda portuguesa, dólar, jiboia, coração magoado, lírio do vale, entre outros.
A verdade é que, enquanto corria pra sobreviver, fui adiando inconscientemente a paixão pelas plantas, pelas flores. Muitos anos depois, vivendo na zona rural, isolada de toda e qualquer civilização, sem vizinhos, sem ruídos, com muitos metros quadrados de terra boa pedindo pra ser cultivada, descobri esta paixão escondida. Foi então que me dediquei, de todo coração, a plantar meus próprios vasos. Organizar os jardins, colher as flores, regar, cuidar, limpar, sempre com uma alegria imensa dentro de mim. Alguns anos depois, morando novamente em um pequeno apartamento, passei a redescobrir e ressignificar o bem que as plantas faziam por mim e o meu amor desmedido por elas.
Organizar os vasos na janela para que peguem o sol da manhã. Algumas plantas precisam dos raios solares, outras gostam apenas da claridade e umas, como as violetas, preferem as sombras. A gaveta do armário especialmente reservada para os alicates, tesourinha, espátulas, barbante, pinças, adubos em pó e líquido, luvas de borracha e tudo mais para o cuidado rigoroso com os vasos que agora eu voltava a ter. Na parte de cima ficavam as pedrinhas brancas, as pedras médias e as maiores para dar um charme aos vasos mais estreitos e compridos onde coloco as suculentas. E ainda os sacos de areia, sacos de adubo só esperando a hora certa pra serem colocados.
Conversar com elas se tornara um hábito. Entre todos os vasos, tenho uma preferência gritante: a avenca. Ela se chama Jandira e todas as minhas amigas perguntam por ela como se fosse mesmo uma pessoinha. Jandira sobreviveu a chuvas de granizo, geadas, sempre retomando o fôlego e fazendo do meu vaso preferido um motivo de admiração ímpar. Quando saí do Sul, de volta às Minas Gerais, trouxe na mala três raminhos da avenca. Tive o cuidado de molhar bastante a terra ao redor dos ramos. Envolvi-os bem umedecidos com algodão, depois jornal. Coloquei todos eles em saquinhos plásticos e assim viajaram de Nova Petrópolis até Porto Alegre, de Poá até BH – de carro, de avião, de Uber!
Levou tempo, mas voltou a brotar. Novos e frágeis raminhos, enchendo de alegria meus olhos que brilhavam com mais intensidade a cada folhinha que surgia no vaso. Com toda paciência retirava folhinhas mortas. Com a tesourinha, cortava apenas aquelas já amareladas e quase secas. Separava tudo num cantinho da mesa. Com um garfo, fofava a terra tendo o cuidado de não encostar em nenhum ramo novo. Colocava mais terra adubada. Espalhava pedrinhas brancas. Molhava a terra. Deixava escorrer. Borrifava água nas folhas verdinhas, como se fosse um banho de chuva. E falava com ela. Agradecia por me fazer tão feliz. Elogiava-a lembrando o quanto ela havia sido forte, sobrevivido a tantas variações de temperatura, viajado de avião e agora enfeitava como uma princesa, a minha mesa de jantar. Por enquanto ela nada responde…
A renda portuguesa é Elvira. Uma majestade. Imponente com suas folhas, cuidadosamente rendadas pela caprichosa natureza. Raramente perde um galho. Linda, singela e forte. O vaso é encantador; cada dia com suas raízes peludinhas e brotos surgindo por todo lado. Ela é mesmo muito chique. Tem um charme todo especial. Gosta de muita claridade, mas sensível como é, não lhe agrada o sol. Todo cuidado é pouco com esta rainha. Adubo de vez em quando, pedrinhas brancas para enfeitar. Água na medida certa, nem pouca nem muita. Ela também não reclama nunca…
O antúrio chama-se Edu! Resistente, não exige muito e é bastante generoso: retribui com suas flores coloridas o cuidado que tenho com ele. É cheio de manias, por isso, requer muita paciência. Pode estar lindo, colorido em um dia, e daí a pouco, sem que eu saiba a razão, me aparece com um queimadinho nas folhas. Ai, ai, ai… o que pode ter acontecido? CTI urgente e pouco a pouco ele se recupera voltando a apresentar seu leque de flores laranja avermelhadas, tão alegre e tão lindo. Tem um olhar sapequinha, especial…
Em tempos mais quentes, escolho os gerânios. Pela florada, pelas cores, pelo cheiro delicioso. Por serem tão lindos e tão especiais pra mim, recebem o nome dos filhos. Léo e Gui são vermelho e laranja. Fáceis de cuidar, adoram um solzinho e perdem muitas folhas que se tornam castanhas da noite pro dia. Mas possuem também uma imensa rapidez de regeneração, dali a pouco os vasos florescem novamente. E sorrio pra eles com aquela cumplicidade que tanto eles quanto eu já conhecemos.
As violetas gostam de sombra e pouca água. Coloco-as nas janelas dos banheiros. Não recebem sol direto. A claridade que lhes incide dura poucas horas durante o dia. Silenciosamente vão fazendo surgir seus brotos e suas flores. Variam do roxo intenso ao branco, passando pelos mais diversos lilases e rosas. São seis vasinhos, todos do mesmo tamanho. Não são muito fáceis de florir. Faz uns bons quatro meses que nenhum deles me alegra com suas flores, mas sou paciente, vou esperar com calma. Falo baixinho com todas elas e tenho certeza de que me ouvem…
Mini-samambaia, lirinhos-do-vale e várias outras folhagens das quais desconheço os nomes. Tenho trabalho de sobra ao longo daquele dia especialmente escolhido para cuidar delas. Gosto de organizá-las, lado a lado, nas três janelas onde bate o sol da manhã. Os vasos esperam enfileirados a hora do banho, do corte, da limpeza total. As pedrinhas esperando a hora certa e o lugar exato onde serão colocadas. O paninho molhado pra limpar o plástico dos vasos antes de voltar com cada um deles para os cachepots, quase todos em cana da índia ou palha. São tão bonitos!
Assim, com calma e alegria, entre sorrisos e suspiros, retomo a rotina de cuidar dos vasos, das folhagens, das flores. Elas me deixam mais leve. Mexer com elas me acalma. E tem mais: todas têm o mesmo gosto musical que eu. Gostam de ouvir as mesmas músicas que eu. Permanecem calmas enquanto eu canto e elas só escutam. São manhãs consagradas. Quase uma Ode à alegria. Beethoven que o diga!
E antes que eu me esqueça, tenho também um belo vaso da espada de São Jorge que Dalvinha me deu de presente (já que esta planta não deve ser comprada, mas “ganhada”). Muito sério, cara de poucos amigos, o São Jorge não é de muita graça. Mas é ele quem isola as energias negativas. Preserva a limpeza energética da casa. Cerca o ambiente de luz, mantendo os bons fluidos. É ele o santo que me guarda, cuida do meu dia a dia… e há de me proteger, é claro, de todo mal.
Amém!
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A série “Presentes que me dou” contém dez crônicas, todas elas vivenciadas em tempos de pandemia. Todas as situações rotineiras adquiriram novo significado em tempos de total isolamento social. Daí esta série, publicada aos domingos pelo Blog Mirante, do jornal Estado de Minas. Escritas por mim, as crônicas são um convite à leitura da nossa realidade, pós/durante a COVID!