Brisa de Inverno - "Paisagem de Inverno" - John Everett - 1829-1926

Brisa de inverno

Brisa de Inverno - "Paisagem de Inverno" - John Everett - 1829-1926
Brisa de Inverno – “Paisagem de Inverno” – John Everett – 1829-1926

Victória Farias

Assim como tudo o que é frio, a brisa de inverno não pretendia ser, e nem sabia que era. Obstinada, aparecia nas manhãs, e, junto ao sol de aspecto gélido, ocupava as preocupações dos trabalhadores matutinos.

Como tudo que não tem peso, era vazia. Às vezes se dispersava, às vezes andava em conjunto consigo mesma. Constantemente inconsciente da sua própria existência, não sabia onde estava, muito menos se estava.

A brisa de inverno sentia quando tinha que aparecer, sempre no meio do ano. Seu trabalho era único: fazer tremer aqueles que madrugavam nas filas em caracol dos pontos de ônibus. Roçava no pescoço dos desavisados; e, às escondidas, transpassava as blusas daqueles que não sabiam exatamente como se portar. Quando animada, ia tão profundo que fazia tremer todos os órgãos internos. Era romântica, não poupava nem o coração.

Como se natural, vinha todos os anos. Não importava o quão juntos e abraçados ficávamos, a brisa de inverno atacava a todos. Logo no final de junho já estava pronta. Quando a última folha caía no asfalto, vinha do norte. Estava preparada. Esse ano iria balançar janelas, levantar saias, desarrumar papéis. Este ano! Este ano. Este ano?

Quando chegou, na data e horário combinado, não sabia se estava no lugar certo. De início, viu pouca gente, e os que viu pareciam não se importar com sua presença. Ficou em silêncio, não sabia o motivo, mas mesmo na inconsciência da sua existência, sentia tristeza.

Continuou tentando por alguns dias. Chegava, mas ninguém dava sinais de preocupação. Não houveram comentários. Não havia bocas para reclamações. Não havia bocas. Tentou chegar as noites, muda, sem seu característico bater de janelas. Parecia não existir.

Naquela manhã, olhou para o sol amarelo. Em silêncio, e para o lado oposto, se retirou. No inverno, não havia corações para balançar, nem orelhas para se fazer gelar. Também não haviam abraços para se fazer dissipar. Sendo assim, não havia nada. Cabisbaixa, desistiu. Se pôs, novamente, à norte. Talvez ano que vem. Hoje não. Brisa de inverno, não sei se suporto ser abandonada até por você.

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