Aninha acorda e respira fundo enquanto se espreguiça.
Sobre a cama, as duas gatas que lhe passaram a fazer companhia depois que Túlio se foi. Sobre a mesinha de cabeceira a garrafa com água gasosa que ela toma todas as manhãs, assim que desperta. Ajuda-lhe a acordar de verdade.
A ida ao banheiro é preguiçosa e sonolenta. O cheiro do shampoo usado na noite anterior encontra-se ainda espalhado pelo ar. É o mesmo cheiro do cabelo de Túlio, que nunca escolhia seu próprio shampoo: usava o que Aninha sempre comprava. Ele fazia sim, questão de escolher o sabonete. Comprava da mesma marca variando apenas as fragrâncias. Naquela manhã, ao cheiro de lavanda, também se juntava o perfume do sabonete. O cheiro de Túlio.
Volta pra cama. Deita-se de novo. Liga o celular para ouvir as primeiras notícias. Cobre a cabeça. As gatas se colam nela. Uma hora se passa até que acorda novamente e vê que tirou um bom cochilo. Livra-se dos lençóis e das gatas. Não encontra os chinelos e vai descalça mesmo até a cozinha. Café. Cheiro bom. Coado na hora, naquele coadorzinho de flanela, já surradinho, bastante usado. Enche uma caneca e sente saudade. O cheiro afetivo do café, tomado juntos. Prova o líquido forte e quente. Pouco adocicado, como tem sido a vida nos últimos tempos.
Tomavam, aos sábados e domingos, uma caneca bem grande. Os dois juntos, ainda sob os lençóis. Aninha volta pra cama. Aumenta o volume do rádio no celular. Notícias desagradáveis, repetitivas, só tragédia. Troca de estação, optando por uma exclusiva para MPB. Acha tudo muito chato. Desliga, procura no Youtube um concerto. De violino. Respira fundo. Saudades dele, muitas saudades. Instrumentos de corda, uma paixão comum. Ouviam Vivaldi, de olhos fechados, os dois! E de mãos dadas. Um cheiro de música no ar…
Sábado é assim. Sem pressa, ela aproveita um pouco mais o calor da cama. Ouve o canto dos passarinhos nas árvores próximas à sua janela. O pouco movimento dos carros na rua. Silêncio e sossego. O tempo está bonito, céu claro, bem azul. O sol, radiante. Talvez uma caminhada. Ou uma volta de bike. Ou quem sabe, nada disso. Por onde andará Túlio? Sente saudades e se lembra de todos os cheiros, aromas, odores, todos! Túlio…
Canta baixinho enquanto arruma algumas gavetas. Impossível não cheirar as roupas dele. Sim, algumas peças ainda ficaram e, separadas em um lugar, inundam o armário com o perfume que ele usava (ou ainda usa, ela pensa).
Aninha inspira com vontade enfiando o nariz naquela surrada camiseta Polo, ainda com o cheiro dele. Cheiro do sabonete, do desodorante, do suor. Outras camisetas brancas, meio velhinhas. Dois pares de meia, dentro da caixa junto com duas cuecas, uma bem novinha ainda. Um pijama de inverno, já muito lavado. Cheira peça por peça. De olhos fechados revive boas lembranças. Muitas lembranças. Muito boas. Enche-se de ternura e beija lentamente cada uma das peças de roupa. Acaricia cada uma delas, sentindo nas mãos a maciez dos tecidos.
Raptada, por aquele perfume tão conhecido, Aninha mergulha o rosto naquele embolado de malha azul marinho. Sem ter muito mais o que fazer, pensa com seus botões sobre a vida, sobre os amores, os finais e os recomeços, por que não? Por onde andará ele? Há meses não se falam, sem notícias um do outro. Será que Túlio pensa nela também nesta manhã ensolarada, ou não? Não?
Procura pelo celular. Abre a agenda. Clica no nome dele. Chamando… Um frio na barriga, um não-sei-o-quê-falar. O coração aos pulos. Respira fundo, a boca seca. Vamos lá, coragem!
– Túlio???
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