Era pra lá das cinco horas da tarde, quando a Dani, minha companheira, cismou de comprar lentes de contato. “Mas pra que isso agora?”, eu perguntava. “Não enxergo patavinas com esses óculos”, ela devolvia. “E isso não é ótimo nos dias de hoje?”. (A cara do presidente havia aparecido na televisão um dia antes). Mas ela não cedia. Saímos correndo até a primeira ótica que encontrássemos pelo caminho.
O problema foi justamente este, o caminho. Um caminho de caras amarradas e portas fechadas, que, por vezes, abriam-se uma frestinha para dizer, baixinho, como quem diz sem poder dizer: “posso ajudar?”.
Mas não havia nem meia porta aberta pelo caminho. A Dani pega o telefone, digita no Google, liga aqui, liga ali. Eu tento me concentrar ao volante. Não desgrudo os olhos da via, pois quando se passa das cinco da tarde as ruas ficam apinhadas de gente. Onde esse povo está indo? É pandemia! Será que todo mundo saiu para comprar lentes?
“Pronto?”, escuto no viva-voz. Alguém finalmente atende. Ela encomenda as suas lentes e marca de ir buscá-las no BH Shopping. BH Shopping?! Onde fica isso?! A última vez que eu estive num lugar com esse nome o coronavírus não se passava de uma gripezinha. Ora, vê lá se gripe empilha 300 mil mortos em um ano. Genocida!
Tento ficar calmo. Pego a Álvares Cabral e subo a Raja até o fim. Lá em cima, encontro o saudoso BH Shopping. Digo saudoso, pois achei que estivesse morto. Mas persevera na UTI, como tantos brasileiros.
Na cancela do estacionamento, vejo que as coisas estão diferentes. Agora basta aproximar a mão, que libera o cartão. Os botões já não farão parte do mundo pós-pandemia. Viveremos felizes sem botões e, talvez, também sem apertos de mãos. Que mundo louco nos espera?
Seguimos a placa de drive-thru. Mas isso não é coisa de quem vai pegar um lanche no McDonald’s? Aliás, quem come no McDonald’s tem preguiça. E quem come no McDonald’s e pega no drive-thru tem preguiça duas vezes: de cozinhar e de descer do carro.
Mas nesse mundo louco que vivemos, ora vejamos, entrega-se lentes de contato em drive-thrus. E até vacinas — menos do que devia.
Somos orientados a estacionar numa vaga de deficientes. Um atendente com um computador de bordo às mãos vem até nós e solta aquela frase, agora, com firmeza: “posso ajudar”? Como é bom ouvir isso.
Dissemos o nome da loja e ele digita um comando. Dali a dois minutos a vendedora aparece, saltitante, com um embrulho em uma mão e a máquina de cartão na outra. Ela entrega o embrulho, e a Dani digita a senha. E todo mundo passa álcool em gel nas mãos.
Era terça-feira, quando fomos às compras. Quanto tempo não fazíamos isso? Que mundo louco que vivemos.
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