Rosangela Maluf
Olho pra lista que acabo de fazer e constato: esta é a 27ª vez que me mudo, de casa ou de apartamento. Em dois países, Brasil e Bélgica; em quatro estados, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul e em seis cidades. Em João Monlevade, tive três endereços; em Belo Horizonte, dez. Dois endereços em Bruxelas. Cinco endereços no Rio, dois em Londrina, e apenas um nos sete anos que vivi em Nova Petrópolis, Rio Grande do Sul. Em casas, studios ou apartamentos, quase uma nômade, uma cigana.
Mudanças são boas. O que virá depois, espera-se que seja sempre melhor. Na maior parte das vezes as mudanças foram compartilhadas, mas em várias situações me mudei sozinha. Planejando dia a dia, hora a hora, organizando os contatos, marcando as datas e morrendo de raiva diante do amadorismo e falta de responsabilidade dos contratados. Quando se é jovem, tudo se dilui mais facilmente. Com a idade, tudo se complica e a ansiedade transborda. O nível de exigência aumenta e o profissionalismo dos prestadores de serviço não acompanha as nossas necessidades.
Bem que eu poderia ter morrido do coração… um ataque cardíaco, daqueles fulminantes! Vejam só:
Primeira raiva: pela internet negocio cinquenta caixas de papelão, resistentes, especiais para mudanças. Fiz via pix o pagamento. A entrega foi pontual, em casa, no tempo combinado. A qualidade das caixas não poderia ser pior. Gastei rolos e rolos de fita larga adesiva, tentando impedir que as roupas embaladas saíssem pelos espaços no papelão. Foram trinta e duas caixas. Para louças e peças frágeis, embalei em plástico bolha, depois em jornal – comprado nas bancas como jornal pra “Pet”. Empilhadas num canto da sala, sairiam pelas mãos cuidadosas dos auxiliares do responsável para realizar o carreto.
Primeira boa surpresa: depois de negociado, e tendo visto preços exorbitantes e justos, optei por um conhecido de uma amiga. Responsável, educado e gentil, sempre respondendo dúvidas pelo What’s, o Sr. José me informa na noite anterior à mudança, que o seu caminhão-baú já estava estacionado diante da portaria do meu prédio para evitar problemas com o estacionamento. Fiquei tão surpresa que demorei voltar ao meu normal!
E confirmou o horário, 9h00. Na manhã seguinte, às 8h30 o interfone toca. Sr. José se antecipou e, muito ansiosa, respirei aliviada. Nunca se sabe quando eles desistirão no último minuto.
Com a ajuda de três auxiliares, ele, eu e a minha faxineira, colocamos tudo em ordem num espaço de três horas. A distância de um apartamento para o outro era de apenas cinco quarteirões. Rapidamente estávamos na casa nova desmontando as embalagens, começando a guardar as coisas, separando as caixas pra que ele as pudesse reutilizar futuramente. Pagamento à vista, conforme o combinado, incluindo a gorjeta dos auxiliares. Todos cuidadosos, nenhuma quebra, nem estragos – até os meus vasos chegaram em perfeito estado.
Ainda não havia dormido no apartamento novo: precisava combinar a entrega do fogão. Procurar aqui no bairro uma empresa para me vender o botijão de gás, instalar a mangueira e deixar tudo funcionando. Precisava também comprar o varal de teto, ver quem poderia instalá-lo, agendar dia e horário. Precisava urgente comprar uma escada. Um martelo. Chave de fenda comum, uma outra chamada Philips(?). Um alicate. Uma pequena caixa de ferramenta. No banheiro, a duchinha vazava. Um bombeiro. Onde? Consegui e agendei um horário. Ele não veio e nem atendia minhas ligações. O instalador do varal era bombeiro também. Resolvido por uma taxa a mais, é claro. Menos mal.
Ainda continuo no apartamento antigo. Por indicação de uma amiga entro em contato com o Sr. João, das cortinas. Agendo um dia, um horário. Marco com ele no lugar novo. Vou encontrá-lo em frente ao prédio com algumas horas de atraso. Fazemos então o orçamento e acertamos o pagamento e a instalação das cortinas. Aprovo o orçamento que, apesar de caro, me tranquilizou, pois tive ótimas referências dele, via uma amiga.
E isso foi outra novela: primeiro o Sr. João marcou para uma segunda-feira. Me liga na sexta-feira dizendo que uma das costureiras não foi trabalhar. – Um pequeno atraso, mas na segunda próxima estamos instalando suas cortinas!!! No dia combinado ele liga. Não será possível, mas na quarta-feira estarei aí. Me preparo, me organizo e espero. Meio-dia e nada. Mando o terceiro recado. Ele me liga. Está no Sion instalando cortinas e assim que terminar, chega aqui. Resumindo: eram sete horas da noite quando o Sr. João e o grandão Carlin terminam a instalação das quatro cortinas, com forros e com black out de boa qualidade, ficou tudo muito bom – mas um gigantesco desgaste. Olho minha cara no espelho. Sinto pena de mim, Um caquinho!
Mas uma novela ainda pior me aguardava. Era preciso registrar na Cemig o meu nome como inquilina do novo endereço. Vou pessoalmente até a Imobiliária. Pego cópia do contrato que ficara para ser assinada pelo proprietário do apartamento e pela imobiliária. Recebo o envelope e vou pra Cemig. Mesmo tendo senha especial preciso aguardar na fila. Espero sentadinha, lendo meu livro. Uma hora e dez minutos depois sou chamada. Gentileza extrema da atendente. Preencho um formulário, apresento minha carteira de identidade, entrego o envelope com o contrato. Para o meu completo e total desespero, a cópia do contrato estava SEM as assinaturas que eu tanto precisava. Nem pelo proprietário e nem pelo responsável pela imobiliária. Invoquei anjos & arcanjos, querubins & serafins e liguei cuspindo marimbondos, brava, muito brava para a secretária. Difícil engolir tanta incompetência e incapacidade. Este amadorismo me joga no chão. Sinto-me péssima.
Tento e consigo negociar com a imobiliária que providenciará a assinatura, o reconhecimento das firmas e levará o novo contrato até minha casa. De posse da documentação correta, volto à Cemig, sou atendida (felizmente) pela mesma funcionária, educada e prestativa. Saio de lá mais calma, com o meu documento pronto e meu nome já com o novo endereço – caso eu precise de um comprovante de residência, agora já o tenho.
Calma, ainda não terminou! Passo então a dormir na casa nova. Continuo a cada dia colocando mais coisas no lugar. Alojando os três gatos, definindo lugares pra água, ração, caixa de areia, mostrando a cada um os novos locais: onde dormir, a torre onde arranhar as unhas, os potinhos de ração e água, as bandejas de areia para o xixi e o cocô. Sem problemas. Calmamente e rapidinho eles se adaptam e não me dão o menor trabalho. Carinhosos, afetuosos, agora dividindo um espaço muito menor do que tínhamos antes.
O primeiro sábado na casa nova: acordo e não tem luz! Procuro saber se no prédio também falta energia. Não. Em outros apartamentos falta luz? Não. Qual o apartamento do síndico? Ele não vem aqui, há três meses. Como assim? Com quem eu falo? Com o vice-síndico. Tem o telefone dele? Ligo, ele está com a família numa cidadezinha próxima daqui. O que é que eu faço, meu Deus do céu!
Alguém me diz que ali na esquina eu consigo um eletricista, Seu Antônio. Vou buscar o Seu Antônio e ele vem com a maior boa vontade, mas cinco horas depois ainda não identificou a causa da falta de energia. Eu já havia ligado pra Cemig assim que verifiquei a falta de luz, só no meu apartamento. Por volta das duas da tarde, os funcionários chegam e verificam que o problema não é deles. Alguma coisa está errada, no prédio. Meu Deus e agora? Sinto vontade de chorar. Meu filho chega e passo pra ele a tarefa de acompanhar o Seu Antônio. Preciso respirar fundo e me acostumar com a ideia de passar o final de semana, sem energia! Sem banho, sem internet, sem luz. Jesusamado.
Eram quase cinco horas quando fomos, meu filho e eu, almoçar numa confeitaria bem pertinho daqui. O problema fora parcialmente resolvido com a instalação de uma extensão que sai da caixa da Cemig, lá na garagem, e que não sei como é ligada aos fios que levam eletricidade ao meu apartamento. Terei luz no final de semana, mas não poderei usar o chuveiro. Banho de balde. Menos mal, terei internet, luz pra ler na cama, poderei ver jornal na TV e não perderei o que se encontra no freezer, desligado há quase doze horas! Meu sorvete de pistache, ó senhor!
Existem situações que nos colocam à prova. Constatei que preciso de mais paciência, menos controle das coisas, não posso ser a dona de todas as situações! Por mais que eu seja organizada, as outras pessoas não são assim.
A maior parte dos prestadores de serviço não tem a menor noção do que fazem, para quem fazem e porque fazem. Um amadorismo, um despreparo, uma incompetência que irrita, que nos tira do sério. Não é fácil, ao longo de duas semanas ficar na dependência da organização e planejamento de pessoas que nem planejam e nem são organizadas. Ando reclamando demais… será a idade?
De nada adianta morrer de raiva, de desgosto, de impaciência se não vou mudar as pessoas. Respirar fundo ainda é a melhor solução. Meu filho me acalma e tranquiliza. Me mostra que existe um propósito pra tudo isto. Tanta coisa acontecendo em curto espaço de tempo. E tudo tem sido resolvido ainda que do jeito que EU não gostaria. Vou ser mais agradecida. Vou ser mais paciente. Vou parar de exigir e aceitar com mais tranquilidade aquilo que não posso mudar. Olho novamente meu rosto no espelho: me sinto um paninho de chão.
Entenderei a limitação das pessoas que não foram preparadas para prestar os serviços que prestam. Entenderei que, em muitos casos, é a única opção que possuem e que jamais foram preparadas ou informadas sobre o cliente. A eles, os amadores, basta conhecer o mínimo de técnica desejável para que o “serviço esteja feito”.
Vou respirar fundo. Comemorar minha chegada à casa nova. As minhas coisas em seus devidos lugares. Enfeites, quadros, meus gatos, meus vasos e plantas. Serei grata por tudo que consegui resolver, apesar dos pesares. Pensarei que tudo poderia ser ainda pior, muito pior. Vou buscar no mais profundo do meu ser uma compreensão que talvez não tenha ainda conseguido sentir, compaixão talvez.
Vou sim… mas não quero me mudar de novo tão cedo. Deus me livre e guarde!