Rosangela Maluf

Se eu tivesse olhado pra trás, a dor teria sido ainda maior. 

Teria visto as cores do meu paraíso que ficava ali, estático, imóvel, não mais esperando por mim. A imensidão do céu, daquele azul inexplicável. O sol dourado, brilhando, em sua majestade plena. As árvores de um verde cintilante e as flores que enchiam de cores o nosso jardim. 

Nele, a casinha amarela, as janelas azuis. Vasos de flores coloridas que, certamente, não seriam mais cuidados. Jardins que me enchiam de alegria, mas que logo morreriam também. Tudo secaria em pouco tempo. O cachorro adorado, sua casinha, seus brinquedos espalhados pela grama. Se eu tivesse olhado pra trás, certamente não seria forte como precisava (ou parecia) ser.

Se tivesse olhado pra trás, eu veria a casinha de orações, local sagrado de profunda meditação e agradecimento diário pela vida que escolhera. As bandeirolas budistas, os enfeites nas paredes. Os tapetes e almofadas, os mantras, as velas, os incensos. Toda paz que ali reinava. Uma paz só minha. Levarei por onde eu for aquela luz, aqueles cheiros, aquele sossego. Ainda bem que não olhei pra trás!

Ao me separar, terminando um longo – e até então sólido relacionamento – me vi definitivamente dividida entre dois mundos distintos. Duas realidades diferentes: uma seca, indiferente, distante e árida e a outra, acolhedora, amorosa, cheia de ternura e afeto. Entre o presente e o passado, eu me movia, a duras penas. Muito duras. Futuro não havia. O nó na garganta estava ali. Era presente, muito presente. E não cedia por nada. Estado de sofrimento contínuo. Quanto pesar e dor.

Afundada em abismos, cavei túneis onde coubessem a minha dor e eu. Sob a terra encontrei um espaço e nele me instalei. Criei novas raízes, me alimentei de outras seivas, fui ficando forte, cresci. 

Construí um novo mundo, uma caverna, uma concha, um útero e ali fui ficando! 

Me esparramei. 

Não olhei pra trás. Não me transformei numa estátua de sal. Não fui a mulher de Lot. As lágrimas secaram e ainda hoje fazem arder meus olhos, mas não irão me desertificar, isto não. O coração bate, sem ritmo, descompassado, sem nenhuma vontade de continuar pulsando. Os pensamentos vazios vagueiam, voando lá e cá. Sem fome, sem sono, sem ânimo, mas no fundo eu sei que tudo vai passar. Há de passar. Eu sei, eu sinto. Preciso de calma, de equilíbrio, de tempo!

E se eu tivesse olhado pra trás não veria o horizonte que vejo, à minha frente…

É para seguir em frente e seguirei. 

É pra frente que se vai. E eu irei…

*
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