Guilherme Scarpellini
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Meu sobrinho nasceu em 2020. Isso quer dizer que ele veio a este mundo ao sabor do caos: às pressas, prematuramente e em meio à aflição de médicos e familiares.

 

Era segunda-feira, com quase um mês de antecedência, quando ele chegou. Um dia antes, a sua mãe deu entrada no hospital com a pressão arterial batendo nas nuvens. O quadro clínico, silencioso e traiçoeiro, tem nome de doença: pré-eclâmpsia. Corri no WhatsApp para consultar um amigo médico, e, você sabe, amigos são sinceros: é grave. 

 

Preocupado, não preguei os olhos à noite, embora, à espera de notícias, eu tenha pregado os olhos na tela do celular.

 

Dali a pouco, soube que tentariam induzir o parto pela madrugada adentro. Em vão. Pois o colo do útero, indiferente à medicação, manteve-se fechado como uma parede. Dado o impasse, os médicos precisaram se decidir com rapidez. Fizeram a cesariana, ligeira e indolor. E meu sobrinho nasceu como os bebês devem nascer: grande, pesado e barulhento. 

 

A uns bons quilômetros dali, eu arrumava a minha mala, em Araxá, quando recebi a primeira foto do bebê no WhatsApp. Foi a cara amassada mais perfeita que já vi. Um pouco mais aliviados, embora ansiosos para conhecê-lo, eu, minha mãe e a Dani partimos ao seu encontro.

 

Em BH, esperei a poeira baixar um pouco. Foi só na noite seguinte que fui conhecer o meu afilhado. Encontrei-o embrulhado no peito do pai: uma trouxinha de gente, tão frágil quanto uma pétala de flor. Depois apareceu a minha irmã, e desabou em meu abraço. Choramos.

 

Rimos um pouco também. Risos que duraram pouco. Pois, quando resolvemos medir a pressão dela, lá estava ela, nas alturas de novo.

 

Corremos para o hospital, e a aflição varou outra madrugada. Outra noite insone. Antes do alvorecer, porém, a minha irmã já havia recebido alta. 

 

Passamos o Natal reunidos, aliviados e agradecidos a Deus. Vendo agora aquele bebezinho ali, dormindo o sono dos anjos no colo da mãe, depois de tanto sufoco e aflição, enxerguei o significado de sua chegada prematura neste 2020. É que, em meio ao apagão de 190 mil vidas perdidas pela pandemia, o nosso Ravi é um pontinho de luz.

Guilherme Scarpellini

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