Victória Farias
“Não se pode pactuar com Deus e o diabo ao mesmo tempo.”
– Remo Morán
Não existe razão para o pânico. Não há gente gritando nas janelas. Nenhum sinal de fumaça no horizonte. Não existe motivo para o desespero. A calmaria é a única saída possível. A apreciação do café preto durante a manhã é uma monotonia aguardada. Pede-se pela calma. O desânimo é só um efeito colateral da informação, como a dor de cabeça é do álcool.
Não se sente o vento forte demais; ninguém se empurra nos ônibus. As conversas são triviais, e os assuntos, os mesmos. Ninguém sai do roteiro do esperado; todos os lampejos de transgressão são inundados por expectativas.
Sabe-se a previsão do tempo da próxima semana, o elemento surpresa não mais nos é permitido. Sair sem carregar uma sombrinha por Belo Horizonte nos próximos dias é quase um ato de rebeldia.
Os tragos são automáticos, sabe-se onde se encontrar tudo. As mãos tateiam no escuro o lugar onde os óculos repousam. Não há porque temer que eles não estejam lá. A poeira está exatamente onde estava na semana anterior.
A comida no restaurante tem o mesmo gosto de ontem. Me preocupam os cheiros. Mesmo debaixo da máscara, faço questão de procurá-los e fico feliz quando estão lá, por pior que sejam.
Posso imaginar quem estará me esperando na porta do trabalho amanhã, e, até mesmo, como irá me cumprimentar. Tento decifrar os silêncios dos meus amigos, mas é inútil. No lugar disso, me empenho, pela décima vez, na leitura de um poema do século XIII de um livro que nem sei o porquê comprei.
Até as novidades são as mesmas. Todas as cortinas de fumaça parecem ter a mesma cor. Não sei como ninguém se engasgou com elas ainda. Os apelos são iguais. Todo mundo parece ter recebido um script de como se portar, menos eu.
E assim mais uma semana começa. Não posso te dizer o que teremos, mas baseada nas últimas 49, há uma forte possibilidade de recebermos várias informações desconexas do Governo, que são colocadas com a tarja de “urgente” nos site de notícias. No final das contas, são só sobre uma família unida que se prepara para o Natal. Por que isso deveria ser pauta da Agência Brasileira de Inteligência?
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Divenire = Tornar-se.