Rosangela Maluf
Luísa chega em casa, agitada.
Joga a mochila no sofá. Desamarra o moletom dobrado na cintura. Tira os tênis e os joga sobre o tapete da sala. Apenas com as meias, sobe as escadas e grita:
– Mãe!
– Piedade, cadê mãe?
– No quarto de costura, espia lá.
O quartinho onde a mãe costura é bem pequenino. Tem uma máquina de costura, ainda de pedal, daquelas bem antigas. Tem uma mesa pra passar roupas. Um ferro quase sempre desligado. Uma cama para ninguém dormir. Ela cumprimenta a mãe, se joga sobre o colchão e começa a chorar.
– Meudeusdocéu, menina, o que aconteceu? Tá chorando por quê? Vem cá, vem no meu colo. Vem. – A mãe para de tocar a máquina. Joga a costura sobre a mesa e pega Luísa no colo.
– Conta, o que foi que houve. Para de chorar e fala comigo.
– O padre. O padre foi em nossa sala de aula e falou que não existe Papai Noel nenhum. Que é invenção pra vender brinquedos. Que são os pais que compram os presentes. Falou que não tem nada de Polo Norte, nem trenó com renas, nada. – Chora e as lágrimas escorrem pelo rostinho queimado de sol. O nariz escorre e ela limpa no manga do uniforme. Soluça.
– E ele foi lá só pra dizer isto? Ora, ora, ora. E este padre tem filhos? Será que já arrumou o presépio na casa dele? Aposto que nem arrumou a árvore. Não deve nem ter as bolas de natal. Ah, e duvido que tenha as lâmpadas coloridas. Sabe quais, né, aquelas que você ajuda a enrolar na árvore.
– Muita gente chorou. Muita gente não acreditou. A professora piscou o olho pra nós, eu vi. Achei que ela queria dizer pra gente não acreditar nele.
– Então… isto mesmo. É isto mesmo! A professora tá certa. O padre nem sempre sabe tudo, né?
– Mãe, e a carta que escrevi pra ele? E o pianinho que pedi de presente. A sombrinha nova. Ele vai trazer na noite de Natal? Tem ainda a cartinha dos meninos. Já pensou se ninguém ganhar presente?
Recomeça o choro. Mais soluços. Mais lágrimas na manga da blusa do uniforme.
– Eu já contei alguma mentira pra você? Não, então! Você acha mesmo que eu iria falar sobre o Papai Noel se ele não existisse? E as revistas, Luísa, cheias de gravuras. Ele no trenó, no céu enluarado. As renas com a carinha boa, sorridentes. Os pacotes de presente. Muitos presentes. Já pensou quantas crianças estão esperando pelos presentes? Quantas crianças escreveram as cartinhas? Lembra do que você desenhou em sua carta pra ele? Um piano com as teclas pretas e as brancas, tudo bem desenhadinho. Ora, ora, ora. Claro que ele vai ler. Vai saber que você foi uma boa menina. Obediente. Estudiosa. Que cuida bem dos seus irmãos. Então? Vamos parar com o choro?
Na noite de Natal Luísa dormiu cedo pra estar sem sono quando o Papai Noel chegasse. Um medo enorme de que não houvesse velhinho nenhum. E se o padre tivesse razão? Ela não contara nada aos irmãos. Guardara só pra si a dúvida. Mas a mãe não mentia. Nem gostava que ninguém contasse mentiras. Melhor dormir.
Dormiu e acordou com o pai puxando seu vestido novo:
– Filha, acorda, tá quase na hora do Papai Noel chegar.
– E os meninos?
– Já acordaram e estão brincando lá na rua.
Luísa não sabia de onde vinha aquele gosto ruim na boca. O coração disparado. Fazendo tum-tum sem parar. Um frio na barriga. Vontade de ir ao banheiro. (Suspiros). Abre a porta da rua e sai. Toda a criançada lá fora, brincando. As mães conversam animadas, sorridentes. Todas alegres. Esperando também. De repente alguém grita: – Gente, olha lá o Papai Noel. Luísa não acredita. Esfrega os olhos. Nem pisca…
Lá no começo da rua ele aparece. Vestido de vermelho, com aquelas coisinhas brancas nos punhos. Luvas brancas. Touca vermelha, também com as coisinhas brancas ao redor da cabeça. Vem puxando um carrinho, todo enfeitado. É gordinho. Rosado. Em uma das mãos traz um sininho, que ele balança sem parar, fazendo barulho.
– Será que no carrinho haveria presentes para todos nós? Contou rapidamente: eram doze crianças.
Em frente a cada uma das casas, ele parava. Perguntava quem eram os pais, quais eram os filhos. Que ficassem todos juntos. Do carrinho ele abre o saco de cetim vermelho, brilhando e começa a chamar os nomes. O silêncio era total. Ninguém falava nada. Os pais calados, sérios, só olhando. As mães, cochichando, bem perto umas das outras. A mãe de Tuca coloca o toca discos na janela; começa a tocar bem alto, músicas natalinas. O coração dispara ainda mais.
Luísa quase chora. Enxuga uma lágrima teimosa, respira fundo e segurando em suas mãos a mãozinha de cada um dos irmãos, aguarda que o Papai Noel passe em frente à casa do Seu Nôzinho, Seu Odílio, Seu Nico, Seu Ângelo e pare, finalmente, em frente à sua casa. Ele pergunta pra sua mãe se as três crianças haviam se comportado bem. – Foram obedientes? Foram estudiosos? Mereciam o presente pedido nas cartinhas? Sim, a mãe responde e sorri.
– Quem é Luísa? – Ela levanta o dedinho. – Vem cá, menina. Tá vendo este embrulho com papel dourado? É seu… vem cá pegar.
– Meu?
– Sim, pra menina bem comportada e estudiosa que você foi durante o ano todo.
O saco enorme e brilhante ainda estava cheio de pacotes. Ele tira o pacote e lê: – Luísa, é este o seu embrulho. Seu presente de Natal. E ainda tem estes três outros presentes. Luísa, Luísa, Luísa os nomes estão certinho! Agora, um abraço no Papai Noel.
Ela não ouviu mais nada. Nem quando ele chamou os nomes dos irmãos. Nem quando ele foi lendo os nomes do Ró, do Edu. Os pacotes com os presentes, os chocolates, as balas de goma, as paçoquinhas, os suspiros coloridos, dentro de saquinhos transparentes, amarrados com fitinhas vermelhas, bem finas.
Luísa entrou em casa e, no sofá da sala, começou a desmanchar o pacote maior. O pianinho! Cheirou o presente batendo os dedinhos em cada uma das teclas. Que cheiro bom. Que lindo o pianinho verde claro! O coração não parava de bater forte, disparado. Ainda havia uma sombrinha, embrulhada em papel azul, brilhante. Um livro de Alice no País das Maravilhas. Um álbum de figurinhas, com vários envelopes dos mais diversos animais. Barras de chocolate, balas, pirulitos, drops…
Como o padre podia ter falado que não existia Papai Noel? Ele deveria estar ali pra ver a festa. A alegria da criançada. A festa na rua. A música de Natal. Os pais tomando cerveja e perguntando se estávamos felizes. As mães, cochichavam. Uma delas falou baixinho ao ouvido da minha mãe. Falou que a festa estava linda. Como as crianças ficaram felizes com a festa. Que lindo havia sido a presença do bom velhinho. Riram, as duas. – Por favor, agradeça muito ao Seu Carlos, do Ginásio. Não entendi. Não sei porquê. Nem vi o Seu Carlos por ali!