O poeta bem disse que ninguém é poeta das oito da manhã às cinco da tarde. Pior sou eu, um cronista da meia-noite às seis da manhã, que costuma dormir neste mesmo horário. O que faz de mim um escritor tão brilhante quanto o desempenho dos candidatos de Jair Bolsonaro no domingo passado. Ainda assim, não desisto de escrever. Ou, quando desisto, o faço escrevendo, como agora.
Pois foi com algum alento que, dia desses, assistindo a uma live com a participação de um homem das letras — o jornalista Humberto Werneck, ou o jornalista Ruy Castro, não me lembro — soube que os grandes escribas do século 20 eram, antes de tudo, funcionários públicos; verdadeiros burocratas, mergulhados nos assuntos do Estado, atolados em pilhas de papéis, consumido por trâmites e protocolos das repartições e que, por vezes, escreviam um “Dom Casmurro”.
Assim foi Machado de Assis, servidor dedicado e rigoroso da Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Também serviram ao Estado Mário de Andrade, Olavo Bilac e mesmo Graciliano Ramos, que se aventurou na cadeira de prefeito da pequena Palmeira dos Índios, em Alagoas, no final da década de 1920 — e dizem que botou a casa em ordem, isto é, sendo um escritor de precisão, botou os pingos nos is.
Envolvidos nos assuntos do Estado, uma coisa é certa: todos esses escritores não tinham tempo. Mais certo ainda é que escreviam sem tempo. E, para tanto, usavam máquina e papel pagos pelo contribuinte. Eu não me importaria de recolher meus impostos dobrados para financiar as “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Macunaíma”, “Caetés” e outras improbidades administrativas maravilhosas. Haja vista o que temos hoje, um presidente da República que passa o dia escrevendo no Twitter, mas sem conseguir juntar lé com cré dentro dos 280 caracteres.
Sorte a minha que não tenho tempo de ler. Não sem lamentar a falta de tempo para ler os meus colegas de blog, as crônicas de jornal — sim, elas ainda existem, e posso citar pelo menos 10 grandes cronistas — e os meus livros, que juntam poeira no armário. Já olho com nostalgia o meu tempo de quarentena, em que lia e escrevia feito uma traça de livros.
Tempos esses que ainda rendem-me bons frutos. Soube nesta semana que um dos meus contos terríveis e assustadores escritos no confinamento será publicado na próxima coletânea da editora Diário Macabro — o que não é pouco. Pelo menos não para um escritor da meia-noite.
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