Rosangela Maluf
Às vezes fico me perguntando o que anda acontecendo comigo e com o mundo.
Os noticiários da TV, as redes sociais, as postagens nos grupos de amigos, todas as notícias absurdas com as quais nos deparamos, constantemente, em nosso dia a dia, me enchem de raiva e de nojo! Muita raiva. Muito nojo.
Não vale abordar aqui os conceitos filosóficos, psicológicos e religiosos da maldade; da dualidade entre o bem e o mal, comum a todo ser humano. Não é este o meu ponto. Tenho me sentido mal, muito mal, com a minha reação diante dos casos. Isto sim, me entristece porque me mostra, lá no fundo, que estou sendo cruel e irracional, como eles, os assassinos.
Senão vejamos:
- Um casal mantém prisioneira a filha de dez anos, vivendo num casebre, sem alimentação, sem as mínimas condições de higiene. Só água e um colchão, jogado ao chão, próxima a poças de xixi, vômito e cocô. Não existe um motivo claro. Eles se embriagam dia e noite e deixaram lá a menina.
- Um assaltante, não satisfeito por encontrar resistência por parte da vítima, um cadeirante, o leva, na própria cadeira de rodas, até um viaduto. Tem o sangue frio de jogá-lo lá embaixo. Não basta assaltar. É preciso ainda agredir um indefeso. A vítima, um jovem sem a menor condição de defesa. O assaltante é ainda capaz de praticar uma crueldade sem tamanho.
- Um cidadão, encapuzado, é flagrado ateando gasolina e, em seguida, incendiando um pobre morador de rua. As câmeras de segurança mostraram a frieza do assassino. O que pode motivar absurdos assim? Que motivos podem deflagrar atitudes tão incompreensíveis?
- Este outro caso, foi o que mais me impressionou: por suspeita de pequenos furtos, um morador de rua foi amarrado a um carro, e ainda vivo, gritando de dor, foi arrastado por três quilômetros. Aqui também a câmera de segurança mostrou outro absurdo: num posto de gasolina, o assassino parou a camionete e pediu água. O funcionário trouxe o copo, olhou aquele corpo amarrado a uma corda, sabendo que seria arrastado ainda com vida e nada fez. Nada.
Minha primeira vontade foi de amarrar o motorista da camionete no mesmo lugar do morador de rua e arrastá-lo também por, pelo menos, três quilômetros. Ele vivo, gritando de dor, exatamente como fez com o jovem delinquente.
Depois pensei em pegar o sujeito que assaltou o cidadão na cadeira de rodas. Amarrá-lo, tendo o cuidado de imobilizar as suas pernas e seus braços. Em seguida, jogá-lo do mesmo viaduto, com a mesma frieza que demonstrou.
O casal ignorante, e provavelmente doente, eu deixaria mofando por umas boas semanas, preso naquele mesmo casebre nas mesmíssimas condições e sem nenhuma gota de cachaça. Sem o que comer e o que beber, exatamente como eles fizeram com a criança, filha deles!
O incendiário teria em minhas mãos o mesmo destino do morador de rua que matou, simplesmente por matar. Jogaria gasolina ou álcool enquanto ele dormisse e atearia fogo logo depois.
Fui e voltei, em pouco segundos, nestes pensamentos absurdos.
Estaria eu me igualando ao assassino? Estaria eu repetindo e refazendo o mesmo comportamento daqueles animais? Estaria eu sugerindo o olho por olho, dente por dente? Mas, afinal, o que estaria se passando comigo?
Ando cansada de tanta podridão generalizada. Falta-nos tudo: ética, moral, honestidade, compaixão, responsabilidade. Para onde quer que se olhe há uma única e contagiante podridão. Na política, nos meios acadêmicos, nas grandes construtoras, nos ambientes hospitalares, nos centros educacionais, tudo irremediavelmente corrompido!
Fiquei por uns instantes refletindo sobre os meus pensamentos tão distantes dos preceitos de humanidade e compaixão que o Budismo me inspira já há algum tempo. Não sou eu? Ou esta sou eu? Que pensamentos são estes totalmente em desacordo com o que sou e com o que penso? Hobbes já dizia que o homem é o lobo do homem e disse também que somos igualmente bons e maus. Eu achava que minha metade má era atenuada por descontos complacentes. Não é o que fazemos e o que cada um de nós se dá? Fico decepcionada comigo. Eu não sou assim, ou sou?
Procuro meu altar de orações.
Acendo um incenso, preencho as tigelinhas com água, perfume, flor, velas; respiro fundo. Inspiro e expiro. Com calma, sem pensar em nada a não ser na respiração consciente.
Pego o meu japamala, com 108 contas e começo a agradecer por tudo. Encontro 108 motivos para estar em gratidão com a vida e com o mundo que me cerca. Arrependo-me sinceramente por ter pensado atrocidades, mas também não consigo (não neste momento) pensar com equanimidade e compaixão. Tenho certa dificuldade para dormir… demora um pouco, mas o sono vem!
Mea culpa!!!