Guilherme Scarpellini
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Três quartos de século desde a publicação de “Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil”, do jurista mineiro Victor Nunes Leal (Companhia das Letras), volta e meia precisamos revisitar a obra clássica da ciência política brasileira para compreendermos a nossa tragédia.
É que a cada quatro anos, os holofotes das eleições municipais voltam a fulgurar. E, com isso, são escancaradas as bases do tripé que ainda hoje sustentam a vida política de parte dos municípios do interior do país: o coronel, a terra e o voto popular.
Foi essa a nefasta estrutura triangular que predominou desde a República Velha, quando os grandes senhores de terras davam as cartas no pleito eleitoral. Exercendo o seu poder patronal, os coronéis coagiam os homens do campo a votarem em seus apadrinhados, os quais, uma vez eleitos, lhes recompensariam com carne assada, cerveja gelada, viola afinada e, quem sabe?, até algum privilégio político.
É claro que não demorou até os coronéis chegarem ao poder, tornando-se eles mesmos o Estado acima das próprias leis.
Não me veio outra figura à mente, senão a do típico coronel da República Velha, quando assisti ao vídeo que mostrou o então secretário de Obras de Patrocínio — que, por um acidente genético, vejam só, calhou a ser irmão do prefeito —, praticando coronelismo à luz do dia, em plena era das lives.
O vídeo transmitido pelo Facebook registrou o momento em que o homem bronco desceu de uma 4 x 4 e correu em direção a um pré-candidato a vereador. Tomou o celular das mãos do postulante — que, aliás, exercia um dever típico da vereança, a saber, o de fiscalizar as obas da prefeitura — e, mais tarde, chapelão na cabeça, desferiu-lhe cinco ou seis tiros à queima-roupa, feito um caubói fora da lei.
Enquanto o país quebra a cabeça para tentar driblar os impactos das fakes news, da pandemia e das fraudes nas eleições municipais, a barbárie em Patrocínio nos mostra que, antes de tudo, ainda precisamos alcançar a civilização.