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Então é primavera

Primavera – Arquivo Pessoal
Sandra Belchiolina
sandra@arteyvida.com.br

A vida insiste
A vida persiste
A vida resiste

“O inverno nunca falha em se tornar primavera”, como anunciou o pacifista e filósofo Daisaku Ikeda.

Assim, ontem, dia 23 de setembro, a vida nos brinda com mais uma primavera. Na sua inteligência vivistica ela se manifesta. E, o vento alegre de Eduardo de Ávila anunciou as chuvas para sua chegada. Ele correndo atrás de seus papéis, ela molhando a terra onde nascem as sementes e florescem as flores. Essas que carregam a memória das árvores, das plantas, dos frutos; sabendo ser o que é, e, no seu ciclo, mantém-se eterna. Com seu saber a vida se renova no hemisfério sul do planeta Terra. 

No seu poema Quando a primavera vier”, Fernando Pessoa, por meio do seu heterônimo Alberto Caeiro, manifesta a insignificância do ser humano diante da natureza que se renova. Ele sabe que a primavera não precisa de sua raça; ela acontece apesar dela. Para Fernando isso é um alívio – a vida acontece mesmo se ele morrer – “Por isso, se eu morrer agora, morro contente; Porque tudo é real e tudo está certo.”¹

A frase atribuída a Pablo Neruda também coloca o humano no seu lugar: “Podes cortar todas as flores, mas não podes impedir a Primavera de aparecer.” 

Cecília Meireles com seu olhar poético em Primavera: Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação… Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera.”²

Eu também não quero fazer um discurso, você me perdoa, primavera? E nessa culpa coletiva – para melhor expressar o quase inexpressável: E Aconteceu Primavera, por Carlos Drumond de Andrade. Nosso poeta mor saberá versar o indizível neste momento delicado para natureza brasileira. Que a vida siga com a sua inteligência, assim desejo. Ele assume a palavra:

…é forçoso que alguém celebre
o ímpeto juvenil da Terra
mesmo poluída, desossada,
Terra assim mesmo, seiva nossa. 

E te ofereço, Primavera,
a arvorezinha de brinquedo
em pátio escolar plantada,
enquanto lá fora se ensina
como derrubar, como queimar,
como secar fontes de vida
para erigir a nova ordem
do Homem Artificial. 

Ah, Primavera, me desculpa
se corto em meio uma floresta
latifoliada, pois tenho pressa
de correr na estrada de Santos.
Não te zangues se já não vês
em teu perene séquito lírico
aquele sininho-flor, descoberto
em longes tempos por George Gardner
e que soava só no Brasil:
foi preciso (teria sido?)
matar o verde, substituí-lo
pela neutra cor uniforme
que é uniforme do Progresso. 

Primavera, primula veris,
em palavra quedas intacta,
em palavra pois te deponho
a minha culpa coletiva,
o meu citadino remorso,
minha saudade de água, bicho,
terra encharcada de promessas,
e visões e asas e vozes
primitivas e eternas, como
eterno (e amoroso) é o homem
ligado ao quadro natural. 

Primavera, fiz um discurso?
Primavera, tu me perdoas?…³

Referências:

¹https://www.pensador.com/quando_vier_a_primavera/

²http://www.releituras.com/cmeireles_primavera.asp

³http://historico.blogdacompanhia.com.br/2014/09/e-aconteceu-a-primavera/

Sandra Belchiolina

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