Máscaras de pele humana

É difícil imaginar quantas chinchilas precisaram ser evisceradas até que o homem — lobo de si mesmo e de todas as outras criaturas da Terra — percebesse que os casacos de pele são uma baita crueldade, e um tanto cafonas.

Porém, deve estar escrito em algum lugar na Bíblia: “não subestimeis o limite da crueldade humana”. Um dado tetricamente incalculável, mas que pode ser aproximado a algo assim: um oito deitado, elevado à décima potência, multiplicado pelo diâmetro de um poço sem fundo e somado ao número de mortes por covid no Brasil.

A curva da maldade é tão ascendente, de modo que, nem o Nostradamus, de mau humor e depois de meter o dedinho do pé na quina da mesa, poderia prever tal barbaridade. Em plena pandemia de 2020, usamos máscaras descartáveis feitas de pele de… coelhinhos? linces? raposinhas? emas? Êpa, não se metam com as emas!

Máscaras de pele humana.

Elas estão por todas as partes. Nas mãos dos ambulantes no sinal de trânsito, dependuradas nas bancas de jornal, expostas nos caixas das padarias. Aposto que você já adquiriu uma. Afinal de contas, esses mimos da perversidade humana custam apenas R$ 3,00. São vendidas em saquinhos plásticos, sem referência de logomarca, local de produção ou CNPJ.

Paulo Guedes estudou em Chicago, mas não sabe o básico. Se alguém está lucrando com um produto a preço de bananas, outro alguém está sangrando, como tomates massacrados na sola do sapato de um capitalista selvagem.

Li no jornal que os imigrantes estão sangrando. Especialmente, os costureiros bolivianos que vivem — ou melhor: sobrevivem — nos buracos sujos de São Paulo.

Eles cortam a própria pele em jornadas de 16 horas ao dia, para confeccionar vinte mil máscaras por semana. Os apetrechos são repassados a aliciadores por R$ 0,05 a unidade. São mascaras de pele humana, vendidas a R$3,00 nos açougues do país inteiro.

Parece enredo de filme de terror trash dos anos 1980. Mais sangrento do que isso, só mesmo pedir uma máscara de pele humana pelos aplicativos de entrega. Elas chegarão, fresquinhas e suculentas, no lombo de um motociclista igualmente escalpelado.

Imigrantes bolivianos em oficina de costura (Reprodução/MPT)
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Guilherme Scarpellini

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