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Carinhos na pandemia

Taís Civitarese

Hoje, transgredi. Abracei mamãe. Foi muito rápido, furtivo e escondido. Foi na hora da despedida. Mamãe me olhou com um semblante triste, após algumas horas de conversa na portaria de sua casa. Relembrávamos vovó. 

Comentávamos que já fazia quatro meses que ela partira. 

Falávamos de saudade, mas também de alegrias. Das boas lembranças que ela deixou e de como ela já demonstrava estar indo embora bem antes de morrer. E do tanto que ela faz falta…

Num ato involuntário e possivelmente criminoso, abracei mamãe desajeitadamente e breve, para que ninguém pudesse ver. Estávamos de máscaras. Abaixei a cabeça evitando respirar perto dela. Não apertei o abraço para, no caso de contaminá-la, ter a ilusão de lhe transmitir menos vírus. E logo me afastei com grande culpa. 

Foram cinco meses sem abraços. Nem mesmo no luto agudo partilhamos deles. Porém, naquele momento, me rendi ao crime tal como alguém sedento por convivência e humanidade. Abracei mamãe. Nós precisamos. A saudade de vovó nos levou ao delito. E afinal de contas, foi ela quem nos ensinou a abraçar. Vó, a rainha dos abraços. Depois que ela partiu, eles foram proibidos no mundo inteiro. E sabe-se lá quando voltarão ao uso. 

Para piorar, ontem beijei os cabelos de minha sobrinha. Sim, aproximei-me dela a esse ponto. Não me orgulho disso. Apesar de ‘quarentenada’, sei que posso lhe transmitir a doença. Todos temos potencial para transmiti-la hoje em dia… Mas minha sobrinha está crescendo. Aquele foi o primeiro beijo que lhe dei após ela completar seus três anos. Ela fez aniversário em meio ao isolamento. Eu não queria que o tempo passasse tão depressa.

O contato físico tornou-se essa coisa estranha. Uma manifestação de amor que pode provocar um mal terrível. Uma necessidade humana interditada por representar perigo. Mais um paradoxo que se soma ao ato de existir com ambiguidade tocante… 

Sigo sem saber se fiz o mal, porém não nego que esses dois singelos momentos fizeram-me sentir infinitamente mais viva.

*
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