Fui ao banheiro e comprei quatro livros. Vítima deste mundo digital, até mesmo sobre o trono dos justos, onde todos deveriam ser iguais perante as leis da natureza, acabei tornando-me desigual de mim mesmo.
Afinal de contas, com poucos toques na tela do celular, lá se foram cento e tantos reais. E o homem que se levantou do trono, levantou-se mais pobre do que quando sentou.
Com as mãos lavadas e os bolsos limpos, retornei para a sala de tevê mais aliviado — cento e tantos reais mais leve. Quando fui alvejado:
— Mas, amor! Quatro livros?!
Meu iPad em suas mãos, a notificação do e-mail de confirmação brilhando na tela e uma certeza: a minha extravagância literária estava devassada.
A preocupação dela tem algum sentido. Dali a algumas semanas vamos morar juntos. Não, não nos casamos. Tampouco nos “juntamos”, como disse a minha sogra. Apenas decidimos testar. Afinal de contas, para que servem os jogos amistosos, senão para testar um time de dois dentro de um campo de quarto e sala?
A questão não é o jogo-treino, não é a sogra, que adoro — beijo, sogra! — e não sou eu. É o que vem comigo: os livros, os discos, a coleção de revistas Piauí — um dia, fui à casa do Du de Ávila, e ele disse: “leva tudo”.
E também os filmes em DVD e VHS, os cadernos de anotações, enfim, tudo aquilo que convém ser chamado de biblioteca, mas que também atende pelo nome de “minha vida”. E, agora, mais essa: todos estes…
— Quatro livros!?
Certa vez, um professor me contou que precisou desfazer-se de sua biblioteca. Imaginem só, os livros estavam abalando a estrutura do prédio. Até que, um dia, ele encontrou uma solução prática: divorciou-se da mulher. E saiu de casa levando só a metade da sua vida.
Caminho no sentido contrário. Pois juntarei não só as escovas de dentes, como também a minha biblioteca a outros vinte ou trinta títulos que a Daniella, agora, a minha mulher, como disse o meu pai — “boa sorte com a sua mulher” — mantém nas prateleiras do apartamento.
E olha que a equação entre livros e espaço é só o primeiro problema de uma nova etapa de vida. Quando Eduardo — não o Ávila, mas, outro: o personagem do romance “O encontro marcado” — saiu de Belo Horizonte, e foi ter uma vida em comum com Antonieta, no Rio de Janeiro, Fernando Sabino escreveu:
“De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar”.
No meu caso, é pior. Porque de tudo, não há certezas. Mas, uma dúvida:
— Quatro livros?!
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