O Mau Humor de Elisa

Rosangela Maluf

Ando muito cansada destes dias sempre iguais, deste céu da mesma cor, do sol com o mesmo calor. Ando cheia desta gente apressada, desesperada, mal educada e chata! Tenho notado que estou cada vez mais impaciente, mais intolerante, qualquer coisa me cala, qualquer senão ao meu coração grita e viro uma fera. Vou em frente, sigo assim.

Geniosa, elas dizem!

Acordo tarde e não me animo a sair da cama. O dia claro me parece difícil de ser vivido. Não sinto fome alguma e não quero tomar café. Sinto preguiça, muita preguiça. Mesmo assim me olho no espelho e resolvo tomar um banho. A água quente me cai bem. Sinto-me mais animada, gosto de banhos demorados. Cheiro bom. Vários cheiros, sabonete, shampoo, condicionador, cremes, hidratantes, perfume.

Sem vaidade, mas caprichosa, elas dizem!

Arrumo a minha cama, não admito o leito desfeito, em nenhuma hipótese. Cansada ou preguicenta estico tudo direitinho, coloco as almofadas, guardando sob o travesseiro o pijaminha bege de bolinhas marrons. Seco rapidamente os cabelos, me visto e passo batom. Lá fora a feira já começou. Com este calor todo ainda preciso comprar frutas. Na geladeira, só água. Na feira encontro a Guida. Há quanto tempo, ela diz. Precisamos nos ver, colocar o papo em dia, tenho tanta novidade pra te contar. E eu quero lá saber de alguma novidade? O porteiro da noite também está ali fazendo sua feirinha semanal. Seu Manoel é muito educado, discreto e de poucas palavras. Nos cumprimentamos sorrindo simpaticamente.

Não é má pessoa, ele diz!

O sol continua quente naquele céu de brigadeiro. Detesto transpirar e me sinto derreter. Quero terminar logo. Revejo a lista de compras e vou riscando o que já comprei. Ainda hão de descobrir uma pílula que substitua refeições – nada de supermercado, nem feira, nada. Na hora da fome, um remedinho, um comprimidinho e pronto! Nada por cozinhar, temperar, sujar louça – isto sim, seria o paraíso. É assim, eu reclamo, sinto preguiça, mas gosto de convidar algumas poucas amigas para o café da tarde. Faço um bolo, passo um café no coador de flanela, fervo o leite, uma boa manteiga e vários queijos, adoro queijos!

Ela faz coisas gostosas, elas dizem!

Subo dois lances de escada e chego em casa, bufando! Lavar tudo, secar, guardar, tirar esta roupa suada, levantar o cabelo, que calor! O celular toca, acho que ficou na cozinha; é a Guida perguntando se eu já soube da maior… e eu nem sei da menor!!! A Lulu conseguiu ingressos para uma noite especial na boîte Vagalume! A Guida tem cada uma, até parece que não me conhece. Veja só se vou me embonecar toda pra ficar aguentando aquela gente chata, falando alto, bebendo muito e com aquele hálito super  desagradável, uma mistura infeliz de cigarro, chiclete e estômago vazio, eu hein!!!

Ela reclama de tudo, a Guida diz!!!

Descasco uma tangerina, ou mixirica ou bergamota, é esta fruta aí… sento em frente à tv e sinto nojo de tanta bandalheira que vejo; ladrões, assassinos, políticos mergulhados na merda, cantores que agridem as mulheres, bonitões e artistas acusados de assédio,  padrecos culpados com suas histórias de pedofilia – tudo me enoja, tudo!!

Ainda tenho umas revistas de Palavras cruzadas, mas  prefiro entrar na internet e continuar minha pesquisa sobre as Linhas de Nazca. Aproveito para falar um pouco com minhas poucas amigas, enquanto meu computador resolve se vai abrir ou não mais uma página!

Falta-me paciência, eu digo!

Ligo o ventilador, faço uma limonada e vou tomar um banho. Lavo os cabelos, cheiros bons, muito bons. Limpo o embaçado do espelho com a ponta da toalha. Que triste figura. Não me conformo com quem diz que a terceira idade tem charme – tem nada! Além do cabelo branco, das rugas e tudo caindo ladeira abaixo, tem o tamanho do nariz!!! Ah, os narizes, estes não perdoam ninguém. Estão sempre lá, imensos, grossos, largos, generosamente horríveis depois dos 50! Falo pra Guida e ela diz que é exagero. Como exagero, olha lá, meu rosto no espelho e vejam o tamanho do narigão! E o seu, Guida, é ainda pior que o meu! Ela ri de mim…

Você exagera em tudo, ela diz!

Não tenho paciência pra igreja, não gosto de rezação, nem de pedição. Nada disto. Fui criada sem muito rabicho com religião e assim sou até hoje. Na hora do aperto eu até rezo um Padre Nosso, mas é só. Guardo comigo um terço que foi da minha avó, ela sim, rezadeira e muito carola. Não sei porquê, mas ficou pra mim esta relíquia.

Ela é uma herege, dizem minhas tias solteironas!

Estou apaixonada pelas Linhas de Nazca. Pouca gente sabe mas se tem um assunto apaixonante é este… não me perguntem como nem porquê. Nunca fui ao Peru, nunca ninguém me falou nada sobre estas linhas, mas vi no National Geographic uma reportagem, enorme, dividida em três partes e desde o primeiro momento fiquei impressionadíssima com o que vi.

Quando dei por mim estava feito louca procurando no Youtube mais vídeos sobre as linhas; pesquisei livros em português sobre o assunto e comecei a pensar seriamente em ir até lá, só pra conhecê-las.

Uma tal de Ana Prado, publicou um artigo interessante no Google em que ela dizia que as construções não eram obras de ETs ou pouso para alienígenas. Segundo ela, descobertas recentes revelaram que os desenhos foram criados pelos moradores que viveram na região. Apresentou também várias curiosidades sobre o povo que viveu ali entre os anos 300 AC e 800 DC. Quer ver só, ela pergunta? Não, eu respondo, não quero ver mais. Que falta de graça! O que eu mais gostava era de pensar em extra-terrestres construindo aquelas linhas todas, desenhos extraordinários só vistos lá do alto, em voos de avião.

Continuo minha busca, ainda no Google e no Youtube e vejo que uma arqueóloga, Christina Conlee afirma depois de muito estudar sobre Nazca, que o objetivo das Linhas era religioso. Os desenhos representavam a relação do povo da região com a vida e com a morte. Os desenhos de animais estariam relacionados à presença da água naquela região desértica e à fertilidade daquele povo.  As formas geométricas provavelmente representariam os locais onde se davam as cerimônias sacrificiais, com as preces e orações sendo sempre  realizadas, como em um templo, a céu aberto.

Mudo de pesquisa. Quero estudos mais emocionantes, provas de que aquilo nunca poderia ter sido feito pelos nazcas ainda mais, linhas que só poderiam ser vistas do céu. Como é que podia ser isto? Eu investindo meu tempo para estudar um fato sobrenatural e agora me apresentam razões de uma normalidade absurda. Não concordo. Conto resumidamente o caso pra Ana, minha chefe no escritório de advocacia.

Ela é muito teimosa, Aninha diz!

E  sigo pretendendo descobrir mais coisas; desde que não sejam contrárias ao que penso e imagino ser real. Tenho este defeito também – detesto ser contrariada, detesto! Vou continuar pesquisando e mesmo com as amigas lá no trabalho achando que é uma grande perda de tempo, insistirei!

Muito teimosa, diz a dona Célia do cafezinho.

Daqui a dois meses entro de férias. Já fiz e refiz as contas e vai dar pra ir ao Peru, Cuzco, conhecer Macchu Pichu e (já olhei o preço do voo) ver do alto do céu as linhas de Nazca.  Compro tudo e divido em dez vezes. Um pacote. O dinheiro que tenho na Caixa dá e sobra pra fazer a viagem. Não vou comprar nada, não vou sair para restaurantes, não vou fazer passeio nenhum que precise ser pago como extra – o que tiver incluído, eu faço. E pronto, tá decidido. A moça da agência de viagens já me atendeu umas dez vezes e já está íntima demais! Assim que fecho tudo, assino os papeis, pego o meu cartão e recebo uma mochila muito bonita, a Luana, agente de viagens, me diz:

– Puxa, como você é custosa!!!

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