Belo Horizonte é uma cidade de montanhas. Opa! Escrevi isso e me veio a memória meu professor de Geografia Física da UFMG: “não há montanhas no Brasil!” Na América do Sul tem os Andes, na Europa os Alpes, na América do Norte as Montanhas Rochosas.
Enfim, BH é a cidade das “montanhas” e dos “belos rios” – que estão sufocados pelo concreto. Distante e no topo de uma dessas “montanhas”, e a um quarteirão de um dos mais belos rios – canalizados – de BH, é onde está meu apartamento.
Dali, espio o Cruzeiro do Sul e sinto a brisa da Serra do Curral, isso quando a janela do meu quarto está aberta e o vento consegue passar entre as frestas de prédios.
É neste contexto que existe nosso vitorioso Rex – cachorro vira-lata de pedigree. Certo dia, ele simplesmente apareceu na rua. Nela há uma guarita de vigilância do nosso quarteirão e, de lá, Rex se apoderou.
Nossos vigilantes, vizinhos e minha filha Camila, adotaram o cão. Com o passar do tempo percebi que Camila tinha se afeiçoado por ele – ou, como se diz lá no interior: “estava panhada de amor”. Na época, cursava veterinária e os cuidados com vacinas e remédios eram dela.
O tempo passou e continuamos a convivência com esse novo morador. Especulações sobre sua origem apareceram. A mais interessante e provável – por sua educação – era que outrora pertencera a uma pessoa idosa. Essa que provavelmente morrera e ele ficou sem eira nem beira.
Certa tarde, chegando em casa, avisto o vigilante com um olhar estranho. Passo por ele e fico incomodada com aqueles olhos que pareciam querer dizer algo.
Saio no portão da garagem, pois era o mais próximo, para ver o que acontecia. Nisso, minha vizinha, Ana, também vai de encontro ao movimento na rua. Rex estava com focinheira e sendo colocado na “carrocinha” da prefeitura.
Estavam levando o cão adotado porque uma vizinha o havia denunciado. Imediatamente, Ana e eu nos posicionamos contrárias. Nisso, a denunciante chega à janela esbravejando que o cachorro era perigoso e que avançava nas pessoas, etc.
Não houve argumentação de que ele também ajudava na vigilância e que as coisas não eram bem assim. Com muita conversa, convencemos que Rex ficaria sob nossa responsabilidade.
A sentença veio: tem de ser na casa de uma de vocês. Fato que conseguimos porque Ana tinha uma associação que cuidava de animais e se responsabilizou em fazer os procedimentos para adoção.
E onde ele poderia ficar até a conclusão do processo? Ana tinha outros animais em casa e não considerava prudente ele estar junto. Assim, assumi Rex. Condição: passados os dias das vacinações e demais providências para adoção, que incluía a castração, ele iria embora.
Assim os dias se passaram e a cada momento novas exigências apareciam. Rex tinha babesiose (doença do carrapato) e precisava se tratar, se não, morria.
Ele, muito educado, foi deseducado por Camila, que fazia questão que ocupasse todos os espaços da casa. Isso não foi de meu acordo. Rex foi ficando, ficando… Certo dia, cheguei em casa e todas as almofadas da sala estavam em fandangos. Creio que não estava acostumado a ficar sozinho.
Camila mudou-se para um loft. E o tempo de Rex no meu apartamento findou. Sua temporada na nova casa também foi pequena. Não podia ficar. A solução veio com Lucas (noivo de Camila na época). Ele iria morar com seu pai. Homem amante de animais e da natureza.
Alguns anos passaram-se. Rex e Márcio – o sogro de Camila que morava em outra “montanha” próxima a Brumadinho – foram companheiro de muitas horas. Até o momento do falecimento de seu dono. E foi com bravura que Rex zelou por ele até o último minuto.
Manteve-se junto ao corpo até que o filho chegasse. Somente com a chegada de Lucas, que convivia com ele desde à rua de BH, é que foi permitida a aproximação. Os policiais, sem poder chegar perto, cogitaram até mesmo tirar a vida de Rex.
Estava novamente sem casa. Para onde Rex retorna? Casa de Camila e Lucas. Nessa quinta etapa da jornada de sua vida de cão, ele reina. Tem a lady Afrodite – pastora alemã capa preta de pedigree para namorar, quintal, jardim, bichos do mato para correr atrás.. Amor não lhe falta!
Ontem, enquanto assistíamos a uma live, ele me olhou com aqueles seus olhos que tudo perguntavam e tudo respondiam, da cor de mel e do tamanho de uma bola de gude gigante.
Hoje desejei falar desse valente que teve a morte rondando-o muitas vezes. Ahh… agora ele vive em outra “montanha”.
Deixo a poesia de Fernando Pessoa: A Montanha por achar, em homenagem as nossas vidas.
A Montanha por achar
Há de ter, quando a encontrar,
Um templo aberto na pedra
Da encosta onde nada medra.
O santuário que tiver,
Quando o encontrar, há-de- ser
Na montanha procurada
E na gruta ali achada.
A verdade, se ela existe,
Ver-se-á que só consiste
Na procura da verdade,
Porque a vida é só metade.
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