A peste estava às soltas nas ruas de Belo Vertical. Jamil, o prefeito da cidade, preocupado com o povo, decretou um baita “nada disso” por aquelas bandas.
Nada era permitido. Nada de botequim, nada de perambular por aí, nada fuxicar a vida dos outros com a vizinhança.
Ainda assim, vez ou outra os guardas de Jamil precisavam dispersar um carteado aqui e um burburinho ali, ordenando que os afrontosos fossem para casa.
Tal como previa o decreto, “nada disso” adiantou.
O povo de Belo Vertical era tinhoso. E os mais audaciosos foram rebelando-se, os guardas afrouxando e a doença acabou nos braços do povo hospitaleiro de Belo Vertical.
Jamil então precisou endurecer. Decretou agora um opulento “fecha tudo” na cidade. Fechou as lojas, a escola, a praça e até a igreja. Ele próprio fechou a cara quando soube da revolução.
Corria à boca miúda que povo sairia às ruas, vestido das cores do país, que, curiosamente, eram também as cores dos pestilentos, meio amarelados, meio esverdeados, mandando às favas o prefeito e os seus decretos.
Jamil não pestanejou. Entrou num carro de som e saiu pelas ruas distribuindo sonoros “nada disso”, “não pode isso” e “não pode aquilo” a quem fosse visto trajando as cores da revolução.
― Atenção! Você aí, de camisa amarela. Aqui é o prefeito. Nada de caminhar na rua. Nada de passear com o Pipoca. Nada de ver o sol. Vá pra casa!
Nem um moleque, com a canarinha da seleção no peito e uma bola no pé, escapou da cruzada do prefeito Jamil contra a revolta verde-amarela.
― Pô, Zezinho, eu já fale! Nada de pelada na rua. Nada me olhar com essa cara. Nada de enfiar o dedo no nariz. Vá para casa!
E quando dobrou a esquina, Jamil quase teve um treco. Deu com um sujeito que, dos pés à cabeça, era azul e amarelo. Ao que parece, estávamos diante do líder da revolução.
― Ei, parado aí?
Não deu tempo nem de o sujeito morrer de susto, e Jamil começou:
― Aqui é o prefeito. Não pode perambular por aí. Muito menos com esse uniforme. O senhor está preso!
― Mas, prefeito ― protestou o homem, revelando um rosto conhecido debaixo do bonezinho azul e amarelo, ao tempo em que se entrevia uma bolsa gorda de papéis e envelopes ― sou eu, o Toinho!
― Pô, Toinho. Foi mal. O carteiro pode.
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