Daniela Piroli Cabral
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(baseado em fatos reais)
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Naquele dia, Marina acordou decidida a interromper seu processo analítico. A sessão seria logo pela manhã, às 11h.
Sua investidura em catarse, associação livre e autoconhecimento acontecia a passos de tartaruga, não surtia o efeito desejado.
Sentia que desperdiçava seu dinheiro e também o seu precioso tempo. Saia das sessões vazia, oca, confusa.
Aquela analista poderia ser considerada muda, não fossem “humm humns” bovinamente emitidos após as crises logorreicas da Marina.
A economia de interação naquela relação davam-lhe a sensação de frieza, alheamento, falta de compreensão e, por que não, de falta de interesse mesmo.
Algumas vezes já tinha pegado a analista bocejando sonolentamente. Na última sessão, foi a gota d´água. A analista trocou o nome de Marina.
– E o que você pensa a respeito disso, Roberta?
– Como assim? – Pensou Marina. Venho aqui há quase dois anos e ela confunde o meu nome? Será que a paciente que acabou de sair se chama Roberta? – Tentou apaziguar o conflito internamente.
Mas todos os dias daquela última semana, Marina passou ruminado o término e quando, mais tarde, chegou pontualmente à consulta, foi logo anunciando a sua decisão. Não, ela não voltaria mais ali.
Por incrível que pareça, naquele momento, milagrosamente a analista resolveu falar e foi logo resgatando o conteúdo da sessão anterior:
– Mas, antes de terminarmos, preciso te questionar algo. Por que você está fugindo do seu ex-marido? Você sabe o que significa ser uma mulher divorciada?
– Não estou fugindo dele. – retrucou Marina ao tom de julgamento daquela fala. – É que o divórcio foi tão conturbado, que prefiro evitar a fadiga de ter que ficar conversando. “DRs” eu tinha quando estava casada, separada não justifica mais discutir.
– Mas você está fazendo as coisas muito por impulso. E essa mudança agora?
Marina silenciou. Pensou. Outro julgamento analítico de uma difícil escolha. Pois não estava frequentando a análise justamente para fazer as mudanças necessárias naquele momento de vida? Responde tentando manter a calma:
– Avaliei todos os prós e contras na mudança de casa. Não acho que é uma decisão irreversível e da qual vá me arrepender depois. Estou fazendo o meu caminho, dando os passos que preciso dar.
Não satisfeita e inconformada, a analista disparou à queima roupa:
– E olha, eu achei isso de você não dirigir mais muito sintomático. Isso significa que você está abrindo mão de se conduzir na vida.
Putz. – Marina se irritou – Como aquela mulher, analista de porta de cadeia, ousava usar desabafos anteriores como forma de ataque, de uma maneira tão leviana? Queria deixá-la mal? Precisava deixá-la mal?
– De jeito nenhum. Não estou abrindo mão de dirigir. Continuo tendo a carteira de habilitação, posso dirigir a hora que quiser. Estou abrindo mão de ter carro. E, me desculpe, isso que você disse não tem nada a ver.
Mas a analista estava mesmo decidida a fazer jus à sua voz e seu poder naquele dia. Talvez pela perda financeira que a saída de Marina significaria dos seus rendimentos mensais. E foi imperdoável no último golpe (praticamente uma joelhada) no ponto fraco de Marina:
– E por que você não fala da relação com seu namorado? Você não fala disso porque sabe que vai dar merda.
– Merda? Por que você está usando esta palavra se nem eu mesma usei-a? Merda é o que eu estou fazendo aqui. Perdendo meu tempo com uma analista de Bagé.
Marina levantou-se do divã, deixou o dinheiro da sessão em cima da mesa e saiu batendo a porta daquele consultório cafona e mofado sem se despedir. Não, ela não voltaria mais ali.