Ainda que saímos de mãos abanando após mais uma cerimônia do Oscar, nunca antes fomos tão vitoriosos por apenas concorrer a cobiçadas estatuetas douradas de Hollywood.
A começar pela indicação de “Democracia em Vertigem”, da belorizontina Petra Costa, preterida na categoria de Melhor Documentário, mas inegavelmente gloriosa no quesito maior burburinho do Oscar.
Falou-se muito do filme dela. E esculhambou-se também – Bolsonaro, bolsominions, internet e até Pedro Boçal, digo, Bial, que reduziu a corajosa obra da cineasta mineira a “uma ficção alucinante”.
O burburinho, porém, funcionou. Todos correram para assistir. Direita e esquerda assistiram – e brigaram até pela pipoca. E mais: o mundo inteiro assistiu, com efeito da exposição causada pela corrida ao prêmio maior do cinema mundial.
Petra, enfim, venceu de lavada. Enquanto compatriotas torceram contra e chuparam dedo.
Ela nos contou de mansinho a curiosa história da jovem democracia brasileira. Era uma vez uma menina democracia que num lapso de vertigem sentiu tudo girar a sua volta.
Girou, girou, caiu e levantou-se, até que se deu conta parada no mesmo lugar.
É o retrato de tempos outrora e agora. Lutamos, resistimos e rompemos os cálices da repressão. E pelo mesmo voto direto conquistado a sangue, canções e prisões, elegemos um governo que celebra o período de escuridão. Como explicar?
Petra chamou o contraditório fenômeno de democracia em vertigem. Eu prefiro chamar de democracia às avessas: uma democracia em torno da qual o povo se une até que as urnas o separe em polos opostos.
É neste cenário que aparece outra indicação ao Oscar que veio assoprar o momento de polarização inflamada.
“Dois Papas”, de Fernando Meirelles, em que pese não ser um filme brasileiro, é um filme dirigido por brasileiro, com alma brasileira e com uma motivação que nos é cara: é uma obra sobre tolerância.
Meirelles constrói um diálogo fictício entre dois cânones opostos da Igreja Católica contemporânea: o conservador Bento 16 e o progressista Francisco. Desenrola-se então debates riquíssimos sobre costumes, casamento gay, dogmas e até futebol. Temas em torno dos quais, em comum, eles só encontram a diferença.
Até que o lado mais duro resolve ceder. Um não concorda com o outro, moderno e liberal. Mas o tolera, o aceita e vai além: sugere que a própria diferença o faria um papa melhor do que o então pontífice conservador.
Deixa de lado, portanto, as miudezas em favor do futuro da igreja. Afinal, tudo acabaria mesmo em pizza e futebol na tevê. No fundo, eles sabiam que era só o que importava.
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