Guilherme Scarpellini
Fazia parte das festas de final de ano reunir a família em frente à tevê. Assistíamos então a mais uma retrospectiva de um tempo que passou na década de 1990.
E revíamos, por exemplo, o Roberto Baggio chutar por cima do gol, o FHC subir a rampa do Planalto e o Ayrton Senna lamentavelmente parar na curva pra nunca mais acelerar.
Ríamos e chorávamos. Mas eram os acontecimentos que definiam o zeigeist de uma época de ouro.
Hoje, não. Na falta de tempo que define o nosso tempo, dispensamos a retrospectiva na tevê, os comentários do tio bêbado, o Roberto Carlos Especial e também as risadas. Mantivemos apenas as lágrimas, que ainda nos servem.
Basta passar os olhos no último ranking de pesquisas do Google pra termos uma ideia do espírito deste ano que – ufa! – passou. E prepare o lenço.
Em 2019, o brasileiro perguntou ao oráculo-mor do século 21: “o que é golden shower?” Fosse o Google pouco menos metido a saber de tudo, remeteria a questão ao maior entusiasta dos excrementos humanos.
Ele que, sentado ao trono do país, orientou a população a “fazer cocô dia sim, dia não”.
E pra surpresa geral da nação, nem o especialista saberia. Era Carnaval de 2019, quando o chefe do país do samba compartilhou um vídeo de um folião urinando sobre a cabeça do coleguinha.
E na forma de tuíte, lançou a pergunta: “o que é golden shower?” Foi o gatilho para alçar a bizarra questão ao alto do ranking do Google. Agora todo mundo sabe. (4° lugar).
Mas não só de xixi e cocô se constrói uma nação. Em 2019, todo mundo quis saber: “O que é libido?”.
Em geral o brasileiro sabe – e muito, pois somos 202.768.562, segundo o IBGE. Mas, certamente, desconhecemos a palavra de tamanha relevância, com a qual, esta sim, se constrói uma nação.
E o que despertou tanta libido no povo? Fofoca de celebridades. Explico. Não tivemos nenhum “Watergate” em 2019, mas tivemos o grande escândalo envolvendo o jogador Neymar.
Acusado de estupro, o menino do Galvão revelou mensagens enviadas pela modelo causadora da polêmica pra demonstrar que tudo não se passava de armação.
Entre as missivas de amor trocadas pelo WhatsApp, uma se destacava pelo conteúdo de rara inclinação poética: “Oi, razão da minha libido”. Libido? Ninguém sabe o que é, mas… nossa, que calor! (1° lugar).
Mais uma do ranking de horrores. Em 2019, Zero Três declarou que se a esquerda radicalizasse exigiria uma resposta enérgica do pai – “aí, sim!” E todo mundo bateu em cima. Era “aí, sim” aqui, “aí, sim”, acolá.
Um conhecido meu chegou a pensar que se tratava de uma interjeição para dizer que alguém “lacrou” – a palavra do ano, segundo o dicionário Oxford. Mas preferiu confirmar no oráculo. E para seu espanto, descobriu que não era “aí, sim!” – era AI-5 !!!.
Eis que buscas pelo Ato Institucional nº 5 – o mais severo da Ditadura Militar – entrou pra história do Brasil como o sétimo lugar das pesquisas do Google em 2019.
Mesmo em tempos de franca decadência, nada melhor do que fechar o ano assistindo ao tradicional especial de Natal.
Que chame a família e até o tio bêbado. Pois 2019 — ufaaaaa! — passou. Mas atenção: em 2019 o especial de Natal não é na Globo. É na Netflix. E se chama “A Primeira Tentação de Cristo”. Nele, Jesus é gay. Feliz Natal.