Ir ao supermercado lotado. Evitar todas as gôndolas, exceto aquela. Brilhar os olhos ao vislumbre de minha rosada e graúda vítima.
“Product from California”, dizem as letras. Quase todas as melhores coisas vêm da França, de Minas ou da Califórnia.
Escolher enfim a mais gorda e viçosa delas.
Carregá-la com orgulho, tal como uma bola de cera enorme e reluzente. Seguir em direção ao caixa. Pagar peso de ouro por ela.
Chegar em casa. Lavá-la ansiosa. Abri-la cuidadosamente com uma faca de lâmina curta. Com esta, fazer-lhe um rasgo raso e transversal na carne.
Quebrá-la ao meio com a mão para não estourar as sementes. Vislumbrar seu interior com o delírio mítico de uma deusa que porta nas mãos sua própria mina de pedras preciosas.
Comer sozinha grão a grão. Deleitar-me. Deixar espirrar no rosto seu sumo sanguinolentamente vermelho.
Deixar rastros desse crime na forma de pequenas gotas espalhadas pela mesa, por meu computador, meu celular, minha roupa e até pela parede da cozinha. Quem se importa com a nódoa?
Um presente da natureza. Inatingível nos outros meses. Plena durante as Festas. Nessa luxúria, termino o meu ano.
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Crônica tão deliciosa quanto a fruta que a inspirou.