A difícil arte de viver e conviver nos dias atuais

Fotos: Arquivo Pessoal

Nascido no interior, criado nas ruas de Araxá e passando férias na pequena propriedade rural da família, aprendi – desde cedo – a conviver com pessoas das mais diversas etnias, crenças e todo tipo de opção. A condição social, algo marcante e desagregador, nunca me causou qualquer tipo de constrangimento. De família de classe média, entre os primos, seguramente vivíamos a situação mais delicada financeiramente nos dois laços familiares, de pai e mãe.
Aprendi, desde meus primeiros tempos, que a sobrevivência e busca dos prazeres da vida têm custo e que depende do trabalho. Pois bem, assim vivi meus exatos sessenta anos, podendo afirmar que não construí patrimônio embora tenha e ainda possa gozar de uma vida deliciosa. Fiz o que quis, fui onde desejei, convivo com quem me sinto bem, sem – nunca – ter necessidade de dissimular qualquer condição em busca de alguma conquista. Material ou não.

Digo isso, para chegar onde realmente pretendo. Jamais, nessas seis décadas, vivi um período tão chato quanto os tempos recentes. Amigos, pessoas que sempre admirei, se transformaram de um momento para outro em “patrulhadores” e “censores”. Alguns tentam interferir nas suas escolhas, de toda ordem, se arvorando até em condenar suas opções. Interessante ainda, isso vale aos dois extremos em evidencia, te condenam ao que entendem (não sei de onde acharam tal qualificação) ser “burrice” por pensar diferente.

Um saco! Tento, na medida do possível, passar incólume às provocações. Entretanto, tem alguns que insistem em buscar o confronto. Por mais que receba sinal e até manifestação explícita de que prefiro conversar sobre convergências, tais pessoas são insistentemente chatas e inconvenientes. Tenho usado de uma desmedida reação. Perco o amigo, mas fico livre do infortúnio. Nunca começo, até dou sinais que não quero, mas o chato sempre pede e depois posa de vitima.

Foto: Redes Sociais

Tenho uma conhecida, pessoa que sempre me mereceu o maior respeito. Mulher, negra e esquerdista. Seu posicionamento sempre foi coerente. De boa formação intelectual e cultural, adorava uma boa resenha com ela. De uns tempos para cá, se tornou insuportável. Tudo é tratado como se fosse preconceito. O bom humor deu lugar a um temperamento agressivo, gratuito e desnecessário. E, o lamentável, comungo com muitos dos seus pensamentos, mas se tornou impossível conviver. E na contramão, pior ainda, os conservadores são agressivos e arrogantes. Que mundo triste!

Aos que me conhecem, sabem da minha vasta barba, situação que é pessoal e não tem outra intenção diferente dessa opção. Ela, ao contrário do que alguns insistem, não tem relação ideológica, filosófica ou até mesmo “promessa” como insistem alguns. É pura e exclusiva escolha. Se um dia resolver diminuir ou até tirar, como já o fiz em duas ocasiões, será – igualmente – sem qualquer aviso prévio.

Não são raros os casos de gente, até desconhecida, me abordar para saber a respeito. Muitos, felizmente, de maneira urbana e civilizada. Alguns poucos, não. Até me agredir verbalmente com tom de voz raivoso, que vai desde “Papai Noel”, “Bin Laden”, “vovô”, “velho” e “barbudo”. Rio, mas, ainda que eventualmente, claro dependendo também do meu momento e da maneira que sou atacado, reajo. Com as crianças brinco e converso, asseguro que sou mesmo o “Papai Noel” e oriento para obedecer ao papai e a mamãe, comportar bem na escola, e até me mandar a “cartinha” no fim de ano. A propósito, todo mês de dezembro, visito cerca de vinte instituições na condição de Papai Noel. Voluntariamente, diga-se!

Foto: Redes Sociais

Já aos babacas, foram algumas boas reações, onde o riso pretendido, mudou de lado e ficaram de cara amarradas. Certa ocasião, na Savassi, vinham três mocinhas e a do meio – exatamente – a mais gordinha, dando gargalhadas soltou um debochado “Papai Noel” para seu pretenso deleite. Ato continuo, disse a ela que formaríamos uma dupla. Eu entrava com a barba e ela com o corpo do bom velhinho. As amigas, que ensaiavam rir do velhote aqui, caíram na gargalhada e a “atrevida” com o rabo entre as pernas.

Noutra ocasião, numa festa de casamento, um grupo de pessoas numa mesa ao lado insistia em olhar para a minha pessoa e rir debochadamente. Saudei à distância, até que o “bobo da corte” (sempre tem um) veio até a minha frente e em voz alta e grosseiramente perguntou: “Pra que você tem essa barba desse jeito?” Antes que a sua turma caísse na risada, respondi, “pra atrair a atenção de gente curiosa que nem o seu caso”. Acabou, esqueceram que tinha um barbudo próximo.

E assim, como em muitos casos, segue esse patrulhamento social, ideológico, religioso e tantos outros. Tem gente que não se olha no espelho para atacar quem está perto. Que triste, despejar e terceirizar suas frustrações pessoais. Ah! Teve uma pessoa que me disse que me tornei muito feio com essa barba. Agradeci e respondi que se algum dia assim “também” entendesse, teria no meu caso o recurso de ir ao barbeiro e passar a máquina. Heroicamente foi embora e até hoje não me cumprimenta. Parece que a ficha caiu só depois de chegar a casa e de frente ao espelho perceber que no seu caso não tinha solução.

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