Guillermo del Toro adapta O Beco do Pesadelo com ótimo elenco

Depois de uma bem-sucedida adaptação em 1947, o romance Nightmare Alley, de William Lindsay Gresham, chega aos cinemas novamente: O Beco do Pesadelo (2021). Dessa vez, pelas mãos do roteirista e diretor Guillermo del Toro, recentemente premiado por A Forma da Água (The Shape of Water, 2017). E, no papel que já foi de Tyrone Power, temos um Bradley Cooper afiado, cercado por ótimos atores num elenco que é provavelmente o melhor do ano.

Dividido em capítulos que seguem as cartas do Tarot, o livro foi publicado em 1946 depois de um longo período de gestação. Gresham havia sido voluntário durante a Guerra Civil Espanhola e, lá, conheceu um ex-funcionário de circo que contou um pouco de suas experiências. O jornalista, então, criou um protagonista que, à procura de emprego, chega a um circo e é contratado como ajudante dos artistas. Fazendo amizade com a mentalista da equipe, ele logo aprende os segredos do número de leitura de mentes.

Buscando aplicar o que aprendeu, Stanton Carlisle (Cooper, de Nasce Uma Estrela, 2018) deixa a trupe e vai para a capital, levando consigo a bela “garota elétrica”, Molly (Rooney Mara, de Maria Madalena, 2018). Juntos, Stan e Molly fazem diversas apresentações e caem nas graças da alta roda da sociedade. Mas o ambicioso Stan não fica satisfeito e começa a buscar golpes mais elaborados, que envolvem a suposta invocação de falecidos. Ele se justifica dizendo que, assim, traz paz aos vivos.

Ajudando del Toro a contar essa história (coescrita por Kim Morgan), temos grandes nomes do Cinema, como Cate Blanchett (de Não Olhe Para Cima, 2021), Willem Dafoe (o Duende Verde de Homem-Aranha), David Strathairn (de Nomadland, 2020) e Toni Collette (de Estou Pensando em Acabar com Tudo, 2020), para ficar nos de maior importância para a trama. Com o avanço da sessão, outros vão aparecendo, com boas surpresas guardadas. Ninguém está menos que fantástico, incluindo os que têm menor participação ou são menos lembrados pelo público, como Holt McCallany (de Infiltrado, 2021) e Paul Anderson (de Peaky Blinders).

Outro ponto muito relevante é a fotografia de Dan Laustsen, frequente colaborador do diretor (também de A Forma da Água). O ótimo contraste de luz e sombras traz aquele clima clássico do Cinema noir. O protagonista, no entanto, foge dessa fórmula consagrada, passando longe de ser o durão de bom coração. A jornada de Carlisle é muita rica e Cooper se mostra à altura para a missão, com uma estética impecável à Clark Gable ajudando a compor o personagem.

A duração de O Beco do Pesadelo pode ser um ponto negativo, com suas duas horas e meia de projeção. Talvez devido à estrutura do livro, o filme também parece dividido em capítulos, e corre o risco de ficar cansativo. No entanto, as viradas da trama e as muitas qualidades da obra devem te segurar acordado sem dificuldades, além de trazer, ao final, algumas reflexões sobre a natureza humana.

Willem Dafoe é o chefe do circo que reúne artistas de quinta categoria

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Spencer vai fundo na mente de Lady Diana de Gales

Logo de cara, entendemos duas coisas sobre a família real inglesa: a vida deles é regida por uma série de regras e costumes; para quem já nasceu nesse meio, pode até ser mais fácil aceitar isso tudo, mas para quem chega é bem difícil. E o mundo inteiro deve achar um sonho conseguir a façanha de entrar nesse universo. Dito isso, Spencer (2021) mostra um outro lado, diferente do que estamos acostumados a ver. A protagonista, Diana Spencer, não está exatamente vivendo um conto de fadas sendo a Princesa de Gales.

Já vimos fatos relacionados à vida de Lady Di em diversos documentários e até no oscarizado A Rainha (The Queen, 2006). Com ela no centro de uma produção ficcional, é a primeira vez. O roteirista Steven Knight, criador da série Peaky Blinders, parece gostar de imaginar o que se passava no entorno de fatos tornados públicos. No que diz respeito a Diana, sabemos que ela estava insatisfeita com seu casamento e acabou chegando ao divórcio. Mas não conhecemos os detalhes dos últimos dias dela como uma mulher casada, e é o que Knight nos proporciona.

Para filmar um texto tão intimista e elaborado, só um cineasta igualmente sensível daria conta. A missão coube ao chileno Pablo Larraín, que já havia se debruçado sobre a vida de outra esposa célebre em Jackie (2016), mais uma vez investigando o que se passaria na cabeça de uma pessoa passando por um período difícil e, ainda assim, sob o escrutínio público. Larraín e Knight devem ter ideias em comum e esta parceria deu muito certo. O diretor dá vida às palavras do roteirista com uma produção rica, cenários e figurinos que não só funcionam muito bem, mas também lembram os reais, que apareciam frequentemente na televisão.

Para interpretar Diana, era preciso alguém extremamente competente. Afinal, o longa está mais preocupado com os pensamentos dela, com seu estado mental, o que é complicado mostrar em frente às câmeras. A tarefa foi muito bem executada por Kristen Stewart, que há muito deixou para trás a fama adquirida pela franquia Crepúsculo (Twilight) e já mostrou seu valor em filmes como Seberg Contra Todos (2019) e Personal Shopper (2016). Com uma notável semelhança física, a atriz procura interpretar a princesa, e não imitá-la. É nos movimentos mais delicados, como uma inclinação da cabeça, que ela se aproxima mais de sua biografada.

Mesmo com um bom elenco de apoio, do qual se destacam os sempre competentes Sean Harris (da franquia Missão: Impossível) e Timothy Spall (de Negação, 2016), o foco está todo em Stewart, que carrega o longa sem esforço. Para Diana, perseguida pela mídia e vivendo num casamento fracassado, o fardo era mais pesado. Larraín e Knight nos dão uma boa ideia de como deveria ser. Nesse sentido, Spencer é um filme pesado, que acompanha a protagonista em um momento terrível. Se existisse, uma sequência a ele talvez fosse mais leve, mostrando o peso do qual Diana se livrou ao se divorciar. No entanto, quem conhece a história sabe que mesmo essa felicidade não duraria.

Larraín e Stewart foram ao Festival de Veneza lançar o longa

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Macbeth ganha nova vida no Cinema

Dentre os nomes mais famosos da literatura mundial, William Shakespeare é certamente um dos mais adaptados ao Cinema. E Macbeth é uma de suas peças principais, tendo pelo menos três encarnações bem relevantes na tela grande. Pois agora tem uma quarta, pelas mãos de Joel Coen, que pela primeira vez dirige um longa sem o envolvimento do irmão, Ethan. A Tragédia de Macbeth (The Tragedy of Macbeth, 2021) está disponível no Apple TV+.

Abusando de luz, sombra, contrastes e neblina, Coen faz uma obra com cara de teatro que volta e meia surpreende com uma fotografia em preto e branco belíssima assinada por Bruno Delbonnel (de A Balada de Buster Scruggs, 2018). E com algumas sacadas visuais geniais, como o bosque que anda. Como de costume, o diretor traz junto a maravilhosa esposa, a triplamente oscarizada Frances McDormand (de Nomadland, 2020), que dá um show como a conspiradora Lady Macbeth. E, no papel do protagonista masculino, temos ninguém menos que o também premiado Denzel Washington (de Um Limite Entre Nós, 2016).

O excelente casal principal ainda conta com o grande Brendan Gleeson (da série Mr. Mercedes) como o Rei Duncan, conhecido como justo e carismático. Todo o elenco, do qual se destacam Corey Hawkins (de Infiltrado na Klan, 2018) e Harry Melling (também de Buster Scruggs), é bem competente, dos mais aos menos conhecidos. E completa o quadro a inquietante trilha sonora de Carter Burwell (de A Grande Mentira, 2019), que acentua a tensão da história.

Para quem não conhece, Macbeth acompanha um habilidoso general que defende seu rei e sua Escócia natal com dedicação e força. Após uma campanha vitoriosa, no caminho de casa, ele e o colega Banquo (Bertie Carvel, de The Crown) passam por três bruxas que fazem duas previsões para Macbeth. Quando a primeira se cumpre, ele logo entra na expectativa pela segunda: se tornar o próximo rei da Escócia.

Washington e McDormand declamam os diálogos do bardo inglês com uma desenvoltura assombrosa, tornando o complicado texto mais palatável ao público. Uma observação cabível diz respeito à química entre eles: ela não existe. Os atores parecem ter se conhecido na tarde anterior. Numa outra versão recente, esta de 2015, temos Michael Fassbender e Marion Cotillard dando beijos apaixonados, pegando fogo entre insinuações sexuais.

Ainda lembrando o longa de 2015, o diretor Justin Kurzel e seus roteiristas preencheram os silêncios de Shakespeare com cenas muito bem construídas e cores vivas, encenando os horrores da guerra e dando maior fluidez à trama. Aqui, no roteiro de Coen, o desenvolvimento é mais brusco e as relações, mais frias. E a loucura que toma os personagens chega repentinamente, pecando na construção.

Joel Coen mostra, com esse A Tragédia de Macbeth, que até um trabalho menor seu é bem acima da média. E que é perfeitamente capaz de uma realização solo, sem o irmão. É sempre uma experiência fantástica ver Washington e McDormand em cena e eles são automaticamente inscritos na lista de prováveis indicados na temporada de premiações. E é uma pena não poder dar um Oscar ao criador da obra original, falecido há alguns séculos.

Orson Welles levou Macbeth ao Cinema em 1948

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Quinto Pânico apresenta Woodsboro a novos espectadores

A onda de nostalgia não é de hoje, e segue firme. Um novo Matrix nos cinemas, outra temporada de Dexter na TV anos depois da última. Pode ser uma oportunidade para corrigir erros, continuar uma boa história ou mesmo ganhar um dinheiro com material de retorno seguro. Em qualquer categoria que se encaixe, temos um quinto Pânico (Scream, 2022) e mais cadáveres se empilhando em Woodsboro, cidade natal de nossa velha conhecida Sidney Prescott (Neve Campbell). E, pela primeira vez, não é o saudoso Wes Craven quem dirige.

Vinte e cinco anos depois dos primeiros crimes na cidade, a população parece ter se acostumado a perder alguns adolescentes (e adultos que cruzem o caminho do assassino) de tempos em tempos, e a adaptação daquela realidade segue quente no Cinema. Os assassinatos cometidos por Billy Loomis (Skeet Ulrich) e Stu Macher (Matthew Lillard) ganharam notoriedade na tela grande e o filme que conta a história deles, Stab (A Punhalada), teve várias continuações. Na vida real (deles), outros apareceram, com poucos ou nenhum motivo, e mataram mais. O filme dentro do filme gera diversas metapiadas, como que dando piscadelas ao espectador.

Parte da responsabilidade dessa fama é da jornalista Gale Weathers (Courteney Cox), que escreveu o livro sobre a tragédia e agora se sente culpada por tantos malucos de plantão se proporem a levar a matança adiante. Quem muito se ferra nessa história é o policial Dewey Riley (David Arquette), para quem sempre sobra a investigação e a resolução dos crimes. Sidney, Gale e Dewey são os personagens clássicos que estão sempre voltando ao foco da ação, como abelhas no mel. Além desses três, outro que repete seu papel é Roger Jackson, que faz a voz do assassino Ghostface – e a famosa fala “Hello, Sidney!

Com as duas veteranas da franquia fora da cidade seguindo suas vidas e o ex-xerife aposentado, novos adolescentes aparecem para fazerem a alegria de quem gosta de ficar tentando acertar quem é o culpado. Uma garota, Tara (Jenna Ortega, da série You), sozinha em casa, atende o telefone e o jogo sádico de conhecimento cinematográfico começa. E é aí que começa a autorreferência também, já que o filme está sempre voltando à sua própria história. Como Tara é atacada e vai para o hospital, a irmã distante, Sam (Melissa Barrera, de Em Um Bairro de Nova York, 2021), vem correndo para vê-la e participar do show de horrores.

Com apenas dois rostos famosos entre as novidades, Jack Quaid (de The Boys) e Dylan Minnette (de 13 Reasons Why), o novo Pânico consegue divertir e tem alguns momentos mais inspirados. Para quem gosta dos episódios anteriores, este é altamente recomendado, apesar de girar em torno do mais do mesmo. As regras de filmes de terror são constantemente reapresentadas e as piadas aparecem com tanta frequência que quase transformam a obra numa comédia. Isso pode incomodar, e aponta situações que são realmente discutíveis, como a prática de excluir o número de sequências do título para dar a impressão de se tratar de um começo (de novo). Daí, temos Pânico, sem o 5.

Na direção, no lugar do experiente Craven, falecido em 2015, chega a dupla Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett (ambos de Casamento Sangrento, 2019). Outro que não retorna é o roteirista Kevin Williamson, que deixa a vaga para James Vanderbilt (dos dois Homem-Aranha com Andrew Garfield) e Guy Busick (de Casamento Sangrento). A função dos novos diretores e roteiristas é basicamente contar a história como Craven e Williamson fariam, emulando o estilo dos dois fundadores desse universo. A missão é satisfatoriamente cumprida e é bacana rever Campbell, Cox e Arquette novamente tentando passar a tocha adiante.

Jack Quaid, Jasmin Savoy Brown, Melissa Barrera, Sonia Ammar, Mason Gooding, Mikey Madison e Dylan Minnette

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Eduardo e Mônica leva a Legião Urbana ao Cinema

Quando escutamos, na voz de Renato Russo e sua Legião Urbana, a história de um garoto de 16 anos que se apaixona por uma médica com signo em Leão, temos uma balada divertida e funcional sobre um casal improvável. Já na hora em que vemos essa mesma história transportada para as telonas, nos deparamos com uma comédia romântica divertida, bem estruturada e com uma química azeitada entre os protagonistas.

O longa de René Sampaio mostra a história de um estudante de cursinho que, meio sem querer, se encontra com uma complexa médica em uma festa estranha com gente esquisita em Brasília. Nos primeiros minutos, René se apega à letra de Russo quase literalmente, numa brincadeira divertida de mostrar simultaneamente os dois personagens, cada um em seu momento do dia, na tela.

Mas não se trata de um filme que tenta preencher as lacunas de uma música de 4 minutos em um filme de 2 horas. Diferente de Faroeste Caboclo (2013), do mesmo Sampaio (também saída de uma música de Renato Russo), Eduardo e Mônica é uma história mais orgânica, que flui com naturalidade. Gabriel Leone, na pele de Eduardo, e Alice Braga, a Mônica, possuem uma química ótima e conseguem passar exatamente a ideia de um garoto bobo e uma mulher mais intelectualizada, como Renato Russo canta.

Outros personagens são acrescentados com mais profundidade aqui. Seu Bira, o ótimo Otávio Augusto, é o avô com quem o garoto joga futebol de botão. Ele ganha ares mais complexos e traz discursos que já eram ultrapassados em 1985 (e continuam até hoje). E também Inácio (Victor Lamoglia), o carinha do cursinho do Eduardo que o leva para as festas mais estranhas da capital. Por parte da Mônica, conhecemos sua família e seus traumas, que não couberam na letra de Renato, mas que no filme ajudam a dar complexidade à mulher que gostava de Bandeira e do Bauhaus, de Van Gogh e dos Mutantes, de Caetano e de Rimbaud.

A trilha consegue ambientar o filme, ainda que se apegue a clichês e force uma ou outra música da Legião Urbana (que poderá deixar confuso o fã mais chato quanto à época em que uma ou outra foram lançadas). Forçadas também são algumas participações. Com o nome no pôster do filme, Fabrício Boliveira – o João de Santo Cristo de Faroeste Caboclo – faz uma participação totalmente dispensável. Há também uma “participação afetiva” de Giuliano Manfredini, filho de Renato Russo e responsável por colocar o nome da banda nas páginas policiais nos últimos anos por conta de suas crises de herdeiro irresponsável.

Eduardo e Mônica é uma boa comédia romântica que lida de forma realista com as crises do casal e explora bem a relação entre duas pessoas tão diferentes. Assim como a música, que você pode achar uma boa balada, o filme é aprovado por contar uma história leve e divertida. Sofrida tem sido a data de estreia, mas agora é definitivo: o longa, que seria lançado no dia 7 de janeiro, chega às telas no dia 20.

O diretor comanda o casal em parque de Brasília

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Repescagem 2021 – Parte II

Seguimos para a segunda e última parte da repescagem 2021, com comentários rápidos sobre filmes lançados no ano passado.

Imperdoável (The Unforgivable, 2021)

Sandra Bullock não costuma ser lembrada como uma grande atriz, até seu trabalho no filme do Oscar é questionável. No entanto, ela acertou em cheio na escolha com Imperdoável, disponível na Netflix. Ela vive uma ex-presidiária saindo da cadeia e tentando voltar a viver em sociedade. A personagem é bem construída, vamos conhecendo-a pouco a pouco e entendendo sua jornada. O elenco, que inclui Jon Bernthal e Vincent D’Onofrio, dá um ótimo suporte à atriz e ainda temos a grande Viola Davis, que aparece pouco, mas rouba a cena.

Espíritos Obscuros (Antlers, 2021)

A simpática Keri Russell cai numa armadilha ao topar fazer um filme de terror sem pé nem cabeça que não tem um pingo de sutileza ao lançar metáforas para o público. Uma criança mostra sinais de abuso na escola e a professora, preocupada, acaba entrando demais na vida do aluno, e há um espírito maligno envolvido (um, ao contrário do que o título nacional indica). O diretor e roteirista Scott Cooper até cria uma boa atmosfera de suspense, mas desperdiça tudo com uma entidade estapafúrdia e não cria nenhuma regra para seu universo, deixando o espectador perdido. Assim como Jesse Plemons, que parece constrangido na tela.

Venom 2: Tempo de Carnificina (Venom: Let There Be Carnage, 2021)

Buscando um resultado melhor que no genérico primeiro filme, a Sony usou um vilão de maior apelo para servir como antagonista ao Venom sem sal de Tom Hardy, ele próprio originalmente um vilão. Surge então o psicopata Cletus Kasady, que se une a um pedaço desgarrado do simbionte e origina outro personagem: o Carnificina. Woody Harrelson não precisa fazer esforço para ficar com cara de doido e lembra seus tempos de Assassinos por Natureza, parecendo ser o único a se divertir. Depois desse novo desastre, Venom deve ser incorporado ao Universo Cinematográfico Marvel, onde fará mais sentido combatendo seu velho inimigo, o Homem-Aranha.

A Crônica Francesa (The French Dispatch, 2021)

Um elenco primoroso não torna menos vazio esse exercício estilístico do diretor, produtor e roteirista Wes Anderson. Com uma coletânea de histórias variadas sendo costuradas uma na outra, ele faz uma homenagem ao jornalismo partindo da morte súbita do editor de um jornal americano publicado numa cidadezinha francesa. Junto com o obituário, a última edição do jornal trará matérias pitorescas que são encenadas para o público. Tudo muito excêntrico, que ficaria melhor pintado num quadro que em um filme. Deve agradar exclusivamente os fãs de Anderson, que já sabem mais ou menos o que esperar. Para os demais, serão 110 minutos que demorarão uma eternidade para passar.

The Velvet Underground (2021)

O diretor e roteirista Todd Haynes tem uma carreira bem diversa, mas boas músicas costumam estar presentes em seus trabalhos. Isso, quando elas não são o foco, como é o caso aqui. Com ótimas imagens de arquivos e entrevistas, ele constrói o quadro que levaria à formação da Velvet Underground, importante banda surgida no cenário da Nova York do fim da década de 60. Os integrantes tinham formações variadas, interagiram com outras celebridades da época e influenciaram gerações que viriam. Todo esse contexto é abordado por Haynes, que não tenta abraçar o mundo, já que o assunto é enorme, focando no caminho trilhado pela Velvet até o seu fim.

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Repescagem 2021 – Parte I

Como de costume, alguns filmes lançados em um ano acabam sendo assistidos no ano seguinte, já que é impossível ver tudo. E mais complicado ainda é escrever uma crítica completa sobre todos. Por isso, segue a primeira parte da repescagem 2021, com comentários rápidos sobre filmes do ano passado assistidos tardiamente.

King Richard: Criando Campeãs (2021)

Cinebiografia de Richard Williams, homem obstinado que traçou um plano para duas de suas filhes, Serena e Venus. Com uma educação rígida e amorosa, ele as levou a serem as prováveis melhores jogadoras de tênis da história. O elenco, com Will Smith à frente, é ótimo, e o roteiro ainda aborda questões raciais, decisão muito acertada, e não deixa de mostrar as formas criativas que Richard tinha para driblar a pobreza. Apesar de excluir passagens polêmicas, como a primeira família que Williams tinha e abandonou, o filme faz bem o que se propõe, focando mais nas pessoas que no esporte.

O Último Duelo (The Last Duel, 2021)

Uma recriação impecável da França medieval nos traz uma história de traição e vingança quando ex-amigos são levados a duelarem pela honra da esposa de um, que alega ter sido estuprada pelo outro. O diretor Ridley Scott, cujo primeiro filme chama-se Os Duelistas (The Duellists, 1977), volta a fazer o que sabe bem, filmando cenas belíssimas de guerra e, com a mesma competência, enfocando os dramas pessoais dos envolvidos. Os amigos Matt Damon e Ben Affleck coescreveram o roteiro (com Nicole Holofcener) e atuam, ao lado dos igualmente competentes Adam Driver e Jodie Comer.

Ghostbusters: Mais Além (Ghostbusters: Afterlife, 2021)

Mistura de nostalgia e homenagem, o novo filme dos Caça-Fantasmas faz o que franquias longevas sempre tentam: emplacar novos personagens para seguirem no lugar dos veteranos. Com a morte do Dr. Egon Spengler (o saudoso Harold Ramis), a filha e os netos vão à fazenda onde ele morava assumir a propriedade e descobrem um pouco da história dele, que largou repentinamente amigos e família e se isolou na área rural de uma cidadezinha. O diretor e roteirista Jason Reitman, filho do diretor dos dois longas originais, conta com o carisma de seu elenco principal, formado por Carrie Coon, Paul Rudd, Mckenna Grace, Finn Wolfhard e Logan Kim, além de não dispensar as participações especiais de Dan Aykroyd, Bill Murray e Ernie Hudson. Sempre reverenciando o cânone, Reitman consegue fazer um filme divertido e inteligente.

Identidade (Passing, 2021)

A atriz Rebecca Hall faz uma excelente estreia como diretora, além de escrever e produzir, adaptando um livro de 1929 sobre duas amigas que se reencontram anos após se casarem e seguirem suas vidas. As duas são negras, mas uma se passa por branca, escondendo suas origens até do marido, que é abertamente racista. Grandes interpretações de Ruth Negga e Tessa Thompson e uma inspirada fotografia em preto e branco são os pontos altos, além da questão racial, que o roteiro aborda de frente. O longa acabou comprado pela Netflix e foi muito bem recebido por público e crítica.

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O Melhor do Cinema em 2021

Como já é tradição no Pipoqueiro (e mundo afora), fim de ano é sinônimo de lista de melhores do Cinema. É necessário apontar que, se os serviços de streaming já tinham grande destaque entre os principais lançamentos, esse ano mais opções se consolidaram. Antes, tínhamos Netflix, Amazon Prime Video e Hulu como os protagonistas, e agora temos também Disney+, HBO Max, Mubi, Looke, Apple TV+… E a lista só cresce!

Há duas décadas (até menos um pouco), era necessário ir a uma locadora pegar o que estivesse disponível – às vezes, passavam-se semanas até dar para levar para casa o filme mais cobiçado do momento. Hoje, você liga a televisão (ou o computador) e muita coisa está lá, só esperando o seu clique. Se, por um lado, isso democratiza o acesso aos filmes, também provoca uma avalanche de opções no mercado. E está cada vez mais difícil de ver tudo, o que torna impossível fazer uma lista definitiva de melhores do ano. Um filme que pode ter aparecido na lista de um colega, como no Cinema de Buteco ou no Cinema no Escurinho, pode não aparecer por aqui pelo simples motivo de não ter sido visto em tempo.

Há quem diga que quem se mete a ser crítico de Cinema tenha que ver de tudo. Mas são coisas diferente ver de tudo e ver tudo. É preciso diversidade, mas, é bom repetir, não dá para ver tudo. A presença dos streamings também permite que o público brasileiro confira o lançamento junto com o resto do mundo, como foi há pouco o caso do comentadíssimo Não Olhe Para Cima (Don’t Look Up, 2021). Curioso, mas longe de ser um dos melhores do ano (leia a crítica completa aqui). Já entre os lançamentos nos cinemas, a distância entre estreias continua existindo. Por isso, ressalto que será considerada a data de lançamento no Brasil, desconsiderando as obras que não chegaram oficialmente.

Muitos dos filmes listados abaixo têm crítica completa no Pipoqueiro, basta clicar no título para conferir. Demais críticas publicadas podem ser pesquisadas usando-se o campo de busca no alto da página.

Bela Vingança (Promising Young Woman, 2020)

Judas e o Messias Negro (Judas and the Black Messiah, 2021)

Meu Pai (The Father, 2020)

Ataque dos Cães (The Power of the Dog, 2021)

Nomadland (2020)

Uma Noite em Miami… (One Night in Miami, 2020)

Noite Passada em Soho (Last Night in Soho, 2021)

Old Henry (2021)

A Lenda de Candyman (Candyman, 2021)

Marighella (2019)

Val (2021)

A Chorona (La Llorona, 2019)

O Refúgio (The Nest, 2020)

The Velvet Underground (2021)

Duna (Dune, 2021)

Menções honrosas:

The Beatles: Get Back (2021)

Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa (Spider-Man: No Way Home, 2021)

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Não Olhe Para Cima é sátira na Netflix que tem tudo a ver com o Brasil

Quem tem um presidente como o do Brasil assiste a um filme como Não Olhe Para Cima (Don’t Look Up, 2021) e se preocupa mais em achar paralelos com a nossa situação do que em prestar atenção à obra. Não faltam estereótipos na trama, do assessor puxa-saco que além de tudo é filho ao empresário ganancioso que manda no governo, e é exatamente isso o que nos preocupa: vivemos numa realidade ridícula, estereotipada, e nada daquilo é impossível de acontecer. Frente a uma catástrofe em potencial, qual é a resposta da presidente? “Não olhe”.

O diretor e roteirista Adam McKay vem buscando desenvolver temas espinhosos, como fez em A Grande Aposta (The Big Short, 2015) e Vice (2018), de uma forma palatável para quem não tem grande repertório nas áreas abordadas. Dessa vez, ele opta por fazer uma sátira, provando seu ponto com uma alegoria de um meteoro que vem em direção à Terra e vai destruir tudo em seis meses. A estudante de doutorado que faz a descoberta leva o caso ao professor, que faz os cálculos necessários e prova que a ameaça é real.

Aí começa a via sacra dos cientistas, que precisam convencer o mundo do que está para acontecer. A presidente dos Estados Unidos, de quem se esperaria uma providência rápida, prefere esperar para não perder poder político. Questões financeiras interferem também, deixando claro que o dinheiro manda nas decisões tomadas em Washington. “De que adianta dinheiro se todos estaremos mortos?”, pergunta um personagem. Parece exagerada, mas a questão é totalmente cabível. É como dizer que é preferível ter liberdade do que ter vida, o que sabemos que já aconteceu. Ou tentar embutir uma propina no preço de vacinas em meio a uma pandemia.

McKay parece ter um trânsito gigantesco em Hollywood, basta olhar para seus elencos. Dessa vez, ele conta com ninguém menos que os oscarizados Leonardo DiCaprio (de O Regresso, 2015) e Jennifer Lawrence (de Operação Red Sparrow, 2018) nos papéis principais. É interessante perceber que, mesmo sendo a aluna a descobridora do cometa, a sociedade de uma forma geral dá mais holofotes para o professor, mostrando o machismo que aparece quando menos se espera. Uma mulher chamando a atenção enfaticamente para uma questão gravíssima é logo tachada de doida, desequilibrada, enquanto o homem é incensado por ser bonito. O cientista de Rob Morgan (de Estados Unidos vs. Billie Holiday, 2021) evidencia também o racismo estrutural.

Para dar peso à presidência da república estadunidense, ninguém melhor que Meryl Streep, que busca alguns projetos com relevância social, como foi o caso de A Lavanderia (The Laundromat, 2019), em meio a outros mais leves. Linda e segura no papel, a atriz exemplifica bem como figuras como Trump e Jair (entre outros) se comportam, colocando interesses próprios acima do país que deveriam representar e com o rabo preso aos financiadores da campanha. O filho da presidente, vivido por Jonah Hill (de Cães de Guerra, 2016), ajuda a reforçar o nonsense e também o paralelo com a realidade brasileira, já que lembra muito um fulano do chamado “gabinete do ódio”.

Outros nomes famosos no elenco ajudam a compor tipos facilmente encontráveis nesse quadro, como os apresentadores que tentam tornar tudo leve (Cate Blanchett e Tyler Perry), o empresário que tem a presidente no bolso (Mark Rylance), o jovem alienado (Timothée Chalamet), a influencer que vive de fofocas (Ariana Grande) ou o militar tido como herói de não passa de um escroto (Ron Perlman). E não nos esqueçamos do general que cobra por algo que é gratuito (Paul Guilfoyle). Caricaturas não faltam, assim como o principal: o cidadão comum, que acredita no que quer, mesmo que evidências deixem algo claro. O fato não importa, posso acreditar no que eu quiser. E as palavras da presidente têm grande influência nisso.

No desenrolar da sessão, o filme se preocupa com alguns dramas pessoais, perdendo um pouco o foco das críticas que vinha fazendo. McKay mira em vários alvos, com muito exagero envolvido, e vai deixando a peteca cair em alguns. Há uma mensagem clara sendo passada, mesmo que não se concorde com a forma como ela é passada. A montagem deixa pouco espaço para sutileza, esfregando tudo na cara do espectador. Análises mais profundas ou interpretações não são necessárias, está tudo ali. No fim, Não Olhe Para Cima resume-se a uma comédia sem graça com ótimas interpretações e um recado importante: não basta ignorar a crise para que ela deixe de existir. Busque se informar, acredite em quem traz fatos e fuja de achismos ou opiniões vazias bancadas por interesses obscuros.

O diretor se reúne ao elenco para lançar o longa

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Matrix 4 retoma as aventuras de Neo e companhia

O filme de 1999 fez um sucesso enorme e deu uma sacudida nos gêneros de ficção-científica e ação. Em 2003, vieram duas sequências com meses de intervalo entre elas, buscando expandir aquele universo. E parecia ser o fim das aventuras de Neo e companhia. Eis que a Warner Bros. nos surpreende com Matrix Resurrections (2021), quarta parte da franquia que, ao mesmo tempo em que dá continuidade à história, a reinicia, permitindo que todos acompanhem mesmo sem conhecimento prévio. Ter visto o primeiro ajuda, mas não é imprescindível.

O filme de 99 funciona muito bem sozinho, mas era inegável o potencial para uma série. Os dois que vieram na esteira não foram tão bem recebidos pelo público. Apesar de inovarem tecnicamente e trazerem cenas esteticamente perfeitas, têm histórias confusas que pouco contribuem para o quadro geral. Talvez por isso, Lana Wachowski (sem a irmã Lilly) e seus colegas roteiristas tenham voltado na fonte original – e também para facilitar para quem está chegando agora. O pontapé inicial dos dois longas é basicamente o mesmo: um sujeito que trabalha com informática recebe a oportunidade de conhecer o mundo verdadeiro por trás da simulação na qual vivem.

A diferença é que, agora, Thomas Anderson, o icônico personagem de Keanu Reeves, é um rico e famoso criador de jogos que é atormentado por visões de algo que ele aparentemente não viveu. São necessárias muitas sessões de terapia (com Neil Patrick Harris, o Barney de How I Met Your Mother) para superar esses delírios e uma tentativa de suicídio, quando ele quase pulou de um prédio. Algo como Robin Williams em Hook – A Volta do Capitão Gancho (1991). Sem saber exatamente o que é real, Anderson se depara com Bugs (Jessica Henwick, de Punho de Ferro) e uma outra versão de Morfeu (agora vivido por Yahya Abdul-Mateen II, o novo Candyman), que dão a ele a opção de escolher entre a pílula vermelha, que leva à verdade, e a azul, que o deixa na mentira confortável.

Retomando a mitologia da primeira parte, Lana homenageia o que ela e a irmã criaram, faz autorreferências e, por que não, piadas. Ou metapiadas. Há um diálogo, por exemplo, sobre a Warner ter pressionado por uma sequência, que seria feita com ou sem o envolvimento dos criadores. A conversa era sobre o videogame criado por Anderson, mas fica muito claro que cabe também para o próprio filme. Esse clima bem-humorado permeia a primeira parte do longa, enquanto as bases são montadas e conhecemos outros personagens, como o sócio do protagonista (vivido por Jonathan Groff, de Mindhunter).

A partir de aproximadamente 40 minutos, o ritmo é acelerado e a ação toma conta. E não demora a se tornar repetitiva e enfadonha, lembrando produções como O Homem de Aço (The Man of Steel, 2013), em que a destruição chega a uma proporção tal que você já não se importa mais com o resultado. E algumas opções visuais já não soam tão originais, como os corpos que caem dos prédios. Resta a curiosidade de reencontrar algumas figuras das aventuras anteriores, como o Merovíngio de Lambert Wilson ou a Niobe de Jada Pinkett Smith. Trinity, na pele de Carrie-Anne Moss, continua durona e linda. E a garotinha Sati cresceu! 

Ao som de White Rabbit, da Jefferson Airplane, acompanhamos Anderson se redescobrir como Neo. É bom rever personagens queridos e os novos são interessantes o suficiente. As explicações oferecidas para as substituições no elenco são razoáveis e aceitáveis. Não se pode dizer que esta sequência de Matrix seja puramente caça-níqueis, ela se sustenta e se justifica. É inclusive melhor que as anteriores – o que não quer dizer muita coisa.

Mas relevante mesmo ela será apenas para os fãs da trilogia, que se sentirão mais do que agraciados. Os demais não devem guardar lembranças dela por muito tempo. O embate que mais ficará marcado será o deste Matrix 4 contra Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa (Spider-Man: No Way Home, 2021), pelas bilheterias e pelas salas de Cinema, já que os dois arrasa-quarteirões chegam praticamente juntos em cartaz.

Estes são apenas Thomas e Tiffany, pessoas comuns

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