Denzel Washington leva Cercas ao Cinema

por Marcelo Seabra

Uma cerca pode manter o inimigo afastado, mas pode servir para não deixar escapar quem está dentro. E há aquela imaginária, que pode isolar uma pessoa das outras. Os usos podem ser vários, e as metáforas também. Essa é a ideia do título original de Um Limite Entre Nós (Fences, 2016), que poderia simplesmente ter sido chamado Cercas. Denzel Washington e Viola Davis, ambos premiados por suas atuações na peça teatral, reprisam seus papéis como o casal de protagonistas, e Washington ainda assumiu a direção.

A peça, escrita em 1983, é de August Wilson e faz parte de uma série que gira em torno de um mesmo tema: a experiência de afro-americanos nos Estados Unidos e as relações entre as raças. Por isso, desde que se falou em uma adaptação para o Cinema, Wilson sempre exigiu que o diretor fosse afro-americano. Os planos só saíram do papel com o interesse de Washington, que levou o texto à Broadway em 2010 e assumiu a direção do filme, seu terceiro. Wilson, que morreu em 2005, deixou o roteiro pronto. Poucas adaptações foram feitas por Tony Kushner (de Lincoln, 2012), que acabou creditado apenas como produtor.

O texto acompanha o falastrão Troy Maxson (Washington) na Pittsburgh dos anos 50. Tendo saído de casa cedo, ele começou a roubar, foi preso e o conhecemos quando sua vida parece nos eixos. Vivendo com uma boa esposa (Davis) e o filho adolescente (Jovan Adepo, de The Leftovers), ele divide seus dias entre a casa e o trabalho como lixeiro, junto do amigo Jim Bono (Stephen McKinley Henderson, de Manchester à Beira-Mar, 2016). Troy é o tipo do sujeito cheio de verdades, que bate de frente com quem pensa diferente, o que faz com que a sua esposa tenha que aguentar alguns comportamentos reprováveis. Ainda participam dessa rotina o filho mais velho de Troy (Russell Hornsby, também da peça) e o irmão (Mykelti Williamson, de 12 Horas para Sobreviver, 2016), que voltou da guerra deficiente mental.

Talvez pela experiência prévia dos envolvidos, ou devido ao roteiro ter sido escrito por um teatrólogo, o filme mantém o caráter de teatro. Com um cenário repetitivo, os personagens circulam por ali declamando seus textos. Os atores estão ótimos, principalmente o casal principal. Washington dá vigor e carisma a um sujeito com várias e gritantes imperfeições, e só um intérprete desse calibre para trazer simpatia a alguém tão centrado em si mesmo e em suas histórias. Davis faz a esposa que ama o marido apesar de tudo, valorizando as qualidades dele e superando o resto, sendo inclusive a ponte entre ele e os filhos.

Apesar de muito bem escrito, com diálogos bonitos, Um Limite Entre Nós se torna cansativo. A admiração de Washington pelo texto de Wilson é óbvia, mas ele não sabe como lidar. Enquanto há muita falação, falta ação, e as discussões se estendem por duas horas e vinte minutos, muito mais do que o necessário. São tratados temas importantes, como o lugar do negro na sociedade – que deveria ser qualquer um, mas não era – e a hipocrisia de quem prega uma coisa e faz outra, sempre se justificando para parecer correto. Mas o resultado deve ter funcionado melhor no teatro.

O casal principal no teatro

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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