A tensão do calendário

A cada dia que passa, sobrevive, percebo as folhas do calendário mais elásticas. Parecem feitas de goma e, educadas, se assentam umas sobre as outras. Calmas, tranquilas, ocupando todos os espaços que nossos olhos aflitos insistem em pensar existir. Na minha idade, percebo que os calendários de papel, leves, livres e soltos, não existem mais. Eles foram absolutamente úteis. Os pespontos me permitiam arrancar as … Continuar lendo A tensão do calendário

A caderneta

Peter Rossi Embora negasse, além do medo de altura que fazia suas pernas formigarem, Ernesto tinha um lado hipocondríaco. Volta e meia sentia dores que nunca se repetiam. Quedava na cama pensando que a vida se esvairia dali algumas horas. Organizava os pensamentos e estabelecia suas prioridades, embora convicto de que jamais conseguiria atingi-las. Numa dessas, quase voltando da morte que não lhe assombrou e … Continuar lendo A caderneta

Sílvia e os avós

Peter Rossi Sílvia vivia com a mãe, Otília, em uma casinha simples, cercada de luz e felicidade por todos os lados. Aquela casa que a gente sempre imagina, com uma cerca baixa, jardins de rosas na frente, cada um ladeando um caminho de pedrinhas até o primeiro degrau da escada da varanda. Moravam apenas as duas. Otília com seus quarenta e poucos e Sílvia com … Continuar lendo Sílvia e os avós

Tempos atrás

Peter Rossi Fico assuntando se na verdade preferia ter nascido há tempos atrás. Sempre pensei assim, desde menino. Sempre fui encantado com as roupas, o porte, o jeito das pessoas andar, dialogar. Me encanta as mesuras nunca dispensáveis. A timidez do respeito excessivo em qualquer abordagem. Me vejo, com certa frequência, dispensando todo e qualquer equipamento que, de uma forma ou de outra, não sobrevive … Continuar lendo Tempos atrás

Alquimia doméstica

Peter Rossi Tempos atrás existiam menos remédios e mais alquimia. Deitado no sofá vem na minha narina o cheiro do “vick vaporub”. Era uma pasta meio grudenta que nossas mães esfregavam em nosso peito, sob os pijamas de flanela quando dava da gente tossir demais. Vinham em latinhas, salvo engano verdes e azuis, com letras em vermelho. Pijamas de flanela… Será que não existem mais? … Continuar lendo Alquimia doméstica

Um menino e a cerca

Peter Rossi Voltava o menino da escola sob um sol escaldante. A estrada de terra só fazia colorir seus sapatos e meias. Era uma poeira só! E o menino, como todo bom menino, não andava simplesmente, chutava o chão, raspava a sola na estada só prá levantar mais poeira ainda. E assim a vida de menino transcorria, dia após dia, um sol atrás do outro. … Continuar lendo Um menino e a cerca

Abraço

Peter Rossi O menino caminhava pela estradinha de terra. Um sol quente na mochila. Chutava pedras aqui e acolá. Na cabeça a história que a professora dissera em sala de aula sobre o poder do abraço. A importância de abraçar, o que isso representa. Não tinha convicção de ter aprendido qualquer novidade, afinal abraçar era um gesto comum, tão assim … coloquial. Não via naquilo … Continuar lendo Abraço