Sem inocorrência de desespero - foto: Edward Burne-Jones – Esperança, 1896

Incorrência ao desespero

Victória Farias Sem a possibilidade de contagem da ocorrência de fenômenos desesperadores, a situação não está fácil. Os tempos não estão só difíceis, estavam, há alguns meses. Agora, nos encontramos em um momento em que todas as palavras do português relacionadas à desgraça precisam de um novo significado. Tá aí uma palavra que me ensinaram a nunca usar: desgraça, que se caracteriza pela ausência da … Continuar lendo Incorrência ao desespero

Carta de despedida

Victória Farias Ao verme que primeiro roeu… não, não posso começar assim, não quero ter que responder a um processo post mortem. Já pensou na energia que teria que gastar saindo da minha cova e explicando ao juiz que não eram vermes, mas borboletas! “Vermes” é só uma expressão comum, eu diria. Mas eram borboletas, seu juiz! Começaram pela ponta dos meus dedos, depois as … Continuar lendo Carta de despedida

Inverdades

Victória Farias Antes de tudo, é necessário constantemente se auto convencer de qual realidade estamos vivendo. Na nossa, ou na deliberadamente inventada por alguém? São tantas acontecendo ao mesmo tempo que eu mesma, caro leitor, me pego vez ou outra invadindo o imaginário de outrem, pensando que esse é o meu caminho de volta para casa. Isso tem acontecido com mais frequência do que o … Continuar lendo Inverdades

Icarus epistolas

Victória Farias “… Fui colocado a meio caminho entre a miséria e o sol.” Albert Camus disse isso uma vez. De um jeito deturpado, a frase ficou grafada na minha cabeça como “fui posto a meio caminho entre o sol e o deserto.” Durante a semana passada, essas palavras ficaram ecoando repetidamente em meu consciente, “posto no meio do caminho entre o sol e a … Continuar lendo Icarus epistolas

Primeiro dia de guerra

Victória Farias Era quase meia-noite quando as coisas começaram a se assentar na sua cabeça. Essa hora, diferente do meio-dia, dava a vida um estranho aspecto cinza e amarelo, por conta dos postes de luz na rua. Toda realidade parecia demais. E todo o pensamento de fuga imaginária era suprimido pelas notícias que chegavam a todo o momento; o celular não parava de vibrar. Era … Continuar lendo Primeiro dia de guerra

A vingança de Baco

Victória Farias Em um supermercado perto de casa, todos os dias a seção de vinhos é reabastecida. Caixas se amontoam para todos os lados, tornando o trabalho do repositor mais fácil – e o dos clientes, mais difícil. Em seus lares, quando todos os pensamentos já fugiram do rumo da realidade, pessoas analisam suas coleções de rolhas – que carregam em si todos os aromas … Continuar lendo A vingança de Baco

Esconde-esconde

  Victória Farias Fazia mais de um mês que o reino de Brasilândia estava sem Rei. Os súditos já haviam enfrentado problema parecido tempos atrás com o Ministério da Magia, um dos mais importantes do Governo. Acontece que o Ministro, que de magia nada sabia, caiu antes mesmo de aprender o truque de desaparecer nas sombras. Ouvi dizer que ele havia conseguido entrar ilegalmente no … Continuar lendo Esconde-esconde

Crastinum

Victória Farias Não existe razão para pânico. Nenhum motivo para a incorrência ao desespero. Não há gente gritando nas janelas, nenhum sinal de fumaça no horizonte. Nenhuma paixão queima mais em lugar nenhum. A calmaria é a única saída possível. A apreciação do café preto durante a manhã é uma monotonia aguardada. Pede-se pela calma. O desânimo é mais um efeito colateral da consciência dos … Continuar lendo Crastinum

Michael

Victória Farias Belo Horizonte, 12 de dezembro de 2021 Caro Michael, Mal posso dizer da felicidade que é receber novamente um escrito seu. Peço perdão por não ter respondido o primeiro, as coisas aqui andam, no mínimo, estranhas… Nada que você não tenha conhecimento ou que seja totalmente novo.  Ao seu pedido, caminhei novamente por aquela ruela com uma loja de alfaiataria na esquina. Os … Continuar lendo Michael

Habémus

Victória Farias Temos. Nós temos. Nós temos tanta coisa que nem conseguimos contar. Mas não temos nada quando realmente precisamos contar. Numeramos nos dedos tudo que queremos e o resto deixamos como resto, uma obrigação da vida, um acontecimento que se foi e logo depois de ir se tornou rotina. Mas no final das contas, não temos realmente nada. Já cansei de ouvir que “dessa … Continuar lendo Habémus