Peter Rossi
Sílvia vivia com a mãe, Otília, em uma casinha simples, cercada de luz e felicidade por todos os lados. Aquela casa que a gente sempre imagina, com uma cerca baixa, jardins de rosas na frente, cada um ladeando um caminho de pedrinhas até o primeiro degrau da escada da varanda.
Moravam apenas as duas. Otília com seus quarenta e poucos e Sílvia com parcos seis anos de vida. Não conhecera Otávio, o pai, que após uma discussão tola sobre política acabou recebendo no pescoço um golpe de facão, enquanto tomava uma pinguinha, depois do expediente na fábrica de tecidos que lá existia.
Sílvia, muito menina, não viu o sangue espalhado sobre o chão de terra batida, desenhando uma dor lancinante. Recebeu carinho das comadres e das mulheres da igreja, enquanto sua mãe se debulhava em lágrimas, como a querer lavar daquele chão a imagem que tanto lhe apertava o peito.
Eram casados há quinze anos, ambos com nomes iniciados com a letra “O”, o que Otília tinha certeza fora uma providência divina; seriam um do outro, pena que por tão pouco tempo.
Mas a vida haveria de seguir e, sozinha, mais do que nunca, deveria se dedicar à sua filha. Durante esses anos, Otília cuidou de contar para a menina a sua vida com o pai dela. Falava com todos os detalhes sobre a época do namoro, do casamento, da chegada de Sílvia. Os olhos derramavam uma saudade feliz.
Frequentando a catequese na Igreja, Sílvia ficou sabendo que, além de pais, todos têm avós, e eram quatro, dois por parte de pai, outros dois por parte de mãe.
Em casa, após uma bela sopa de legumes que aquecia o peito naquele julho tão frio, Sílvia questionou Otília:
– Mãe, você sempre me falou sobre meu pai, mas nunca disse nada sobre meus avós. Alguns amiguinhos sempre falam deles.
A mulher entrou numa enrascada. Quando conheceu Otávio ele disse que os pais já tinham morrido. Só após o questionamento da filha é que se deu conta de que nunca perguntara ao marido os nomes deles. Esse era um tema sobre o qual Otávio não gostava de falar e Otílio respeitava.
Já com relação aos seus pais, poucas lembranças tinha. Vivera com uma tia desde os quatro anos de vida. A única coisa que soube é que os pais – João e Evangelina – tinham saído do interior a buscar trabalho na capital, e nunca mais apareceram.
Sílvia, a cada dia perguntava mais e mais. Otília não sabia o que fazer, pois nenhuma resposta tinha a dar à menina.
Recorreu, entretanto, aos seus mais recônditos sentimentos maternos e passou a discorrer sobre histórias imaginadas.
Assim, falou de festas, de caminhadas, de rezas, de batizados, de quermesses, de casamentos. Falou de fornos acesos e bolos deliciosos. De frigideira no fogão com bolinhos de feijão a salpicar na gordura quente.
Otília lembrava de passeios, piqueniques, de festas juninas. Cantarolava músicas que lembrava da sanfona de Zé Pequeno. Falou, inclusive, sobre banhos de rio, de queimaduras de taturanas, de tatu bolinha, de exércitos de formigas.
Contou a Sílvia sobre o Timba, um cachorrinho que sua vó lhe deu de presente.
A menina, a cada noite, ouvia uma história atrás da outra. Cada uma mais linda que a outra. E assim, foi construindo a imagem dos avós que nunca conhecera. Chegou até a escolher os avós preferidos, coisa mais encantadora.
Otília, ao inventar as histórias, que muito bem poderiam ter acontecido com qualquer um, aplicava unguentos na dor da ausência. Ela, como alquimista, criava remédios, soluções, a aplacar a tristeza.
Sílvia foi crescendo, ouvindo aquelas histórias, e a cada dia mais convencida estava sobre seus avós, até mesmo corrigindo sua mãe com uma ou outra informação que Otília confundia.
A menina acabou conhecendo seus avós e, bem mandados, eles cuidaram de aparecer e preencheram a casa, sentados na varanda, sempre com sorrisos estampados no rosto, nas redes a contemplar o pôr do sol.
Com o tempo, toda a vila ao redor tomou conhecimento do ocorrido e cuidaram até de eleger as datas de aniversário dos avós, que passaram a ser comemoradas a cada ano. Sílvia se esbaldava e contava aos amiguinhos histórias sobre seus avós, nos mínimos detalhes.
Otília, por sua vez, suspirava de felicidade. Trazia consigo uma satisfação muito grande de preencher esse vazio. Ela criou avós que sempre existiram, mas que não eram lembrados, apenas isso. Vai ver, entre uma história e outra, os fatos narrados coincidiram com a realidade.
Essa é a vida. Em sua sabedoria, Otília trouxe os avós de Sílvia para dentro de casa, dentro do coração e todos, todos mesmos, se completaram.
Dizem as boas línguas que João e Evangelina, durante o sono, auxiliavam Otília, soprando no seu ouvido algumas informações, mas isso nunca foi confirmado.
Quanto aos pais de Otávio, ninguém soube informar, mas isso não tinha a menor importância. Eles também estavam ali, nos olhos de Otília, na alma de Sílvia.
Maravilhoso!!!!
Avós, como foi bom ter. Carinhosos, presentes.
Se não for possível, concordo com Otília, crie para seus filhos.
Olá Peter!!
Fiquei aqui imaginando os jardins,as roseiras,as pedrinhas e tudo que envolve essa linda história.
Que delícia poder ler e sentir o cheiro do ar,do bolinho de feijão, da sopinha de legumes.
Isso só é possível graças a sua maneira de escrever,colocando vida em cada palavra.
Ahhhhhh que delícia!! Parabéns