Sandra Belchiolina
O primeiro encontro com Havana foi um impacto. Não apenas pela beleza, mas pela força silenciosa que emana de suas ruas e paredes. Diante de seus edifícios coloniais, sobreviventes ao tempo, às tempestades, às mudanças climáticas e às ambições humanas, senti-me diante de uma senhora idosa, que, mesmo marcada pelas rugas da história, mantém-se ereta, altiva e orgulhosa de sua trajetória. Havana é essa senhora resiliente: rica em memória, patrimônio e cultura.
Seus carros coloridos, relíquias dos anos 50, ainda circulam com elegância pelas ruas. Hoje, mais do que meio de transporte, são símbolos vivos de uma época suspensa, encantando turistas que, como eu, deslizam em conversíveis pelas praças e avenidas abertas ao céu caribenho.
Impossível não seguir o rastro de Ernest Hemingway. O Nobel de Literatura que imortalizou o mar de Cuba em O Velho e o Mar deixou marcas profundas na cidade. Sua primeira morada foi no Hotel Ambos Mundos, onde seu quarto e sua máquina de escrever permanecem preservados como relíquias literárias. Do terraço, a vista é deslumbrante — talvez semelhante ao horizonte que inspirava sua escrita. Depois, fixou-se entre os bares que o seduziam: a lendária La Bodeguita del Medio, onde nasceu a fama do mojito, e o Floridita, com seu daiquiri imortalizado e uma estátua de bronze do escritor eternizado junto ao balcão. Foi ali que, entre goles e música, ouvi uma das bandas mais tradicionais da ilha.
Caminhar por Havana Vieja é como atravessar um portal para o período colonial. Nas calçadas, músicos tocam jazz ou ritmos cubanos, preenchendo de sons cada esquina. Entre as vielas, varais com roupas balançam ao vento, lembrando Nápoles. A Praça de São Francisco e seus arredores, outrora território da aristocracia, hoje abrigam cafés e restaurantes acolhedores. No Paseo del Prado — ou Paseo de Martí — o movimento conduz até o Parque Central, o Capitólio e o Gran Teatro Alicia Alonso. Ali, o histórico Hotel Inglaterra recebe quem deseja sentir, ainda hoje, o perfume de outro tempo. À noite, a região vibra: Havana é uma cidade que não deixa a música descansar.
O espírito de resistência pulsa em cada esquina. Na Praça 26 de Julho, ergue-se a estátua de José Martí — poeta, jornalista e filósofo, herói nacional que dedicou a vida à independência de Cuba. Nos edifícios próximos, os rostos de Che Guevara e Camilo Cienfuegos lembram a chama revolucionária que, ao lado de Fidel Castro, enfrentou a ditadura de Batista. Do alto da cidade, a casa de Che se põe frente ao Cristo de Havana, como se dialogassem em silêncio sobre fé, luta e eternidade.
E há o pôr do sol: no restaurante La Divina Pastora, junto às antigas baterias de canhões que guardavam a cidade, o crepúsculo revela Havana banhada em dourado, suspensa entre nostalgia e futuro, entre realidade e imaginação. O mar do Caribe, vasto e hipnótico, completa o cenário — mas esse, como dizem os bons cronistas, é assunto para outra história.
Por agora, guardo comigo a impressão mais forte: Havana, a senhora que se conserva inteira, apesar das marcas do tempo, permanece viva e fascinante.









uau! que descritivo maravilhoso! empolgante e inspirador! parabéns!
Amei, revivi o que pude ver neste lugar maravilhoso.