Mário Sérgio
Sábado quente, ensolarado, convidava a um churrasco. Porém, foi impossível agregar pessoas à intenção, pois outros compromissos, coincidentes, sugeriram adiamento. A semana foi desgastante na empresa de projetos em que atuava. Estávamos muito empenhados em três grandes concorrências. SiderPeru, siderúrgica no país vizinho, em implantação; SiderAma, indústria metalúrgica a instalar na Região Norte; e expansão da Açominas, em Ipatinga. O entusiasmo era enorme, as perspectivas excelentes.
Restou a noite para apreciar, antecipadamente, alguma daquelas conquistas, pois traria segurança e estabilidade aos empregos de colegas e amigos, por pelo menos três anos. Era tempo de inflação absurda e desemprego em níveis assustadores.
Atendi ao convite de um amigo para uma das “gafieiras” de BH. Para mim seria novidade. Afinal, por acreditar que não podia dançar, imaginava que seria antipatizado nesses ambientes. Por outro lado, não havia restrição ou proibição formal a mim ou a qualquer PcD. Então, que eu me jogasse naquela experiência.
O amigo chegou por volta de dez e saímos para a noite. Na avenida Bias Fortes, quase com Tupis e Rio Grande do Sul, a dois quarteirões da Praça Raul Soares, estava o então famoso, Elite. Também eram muito conhecidos e bem frequentados por entusiastas boêmios o Clube Montanhês e o Estrela. Hoje, muitos anos depois, citar tais nomes me remete a um tempo de muita energia, próprio da juventude, em que cada nova experiência motivava regozijo.
Subi, com dificuldade, um lance longo de escadas apinhadas de pessoas e sem corrimãos, num sobe e desce animado, colorido por sorrisos, blushes e batons. Singularidade para mim; eu experimentava a disposição daquelas pessoas enquanto ouvia o samba de break “Olha o Padilha” (1952) de Bruno Gomes, Ferreira Gomes e Moreira da Silva, grande sucesso na voz desse último.
Por sorte, conseguimos uma mesa próxima à janela que dava para a avenida. E encontramos vaga de estacionamento quase em frente ao Clube. A noite começava bem.
De minha privilegiada posição, podia observar os casais dançando, sem trânsito de pessoas naquele ponto, um pouco afastado da pista e do palco. Tocavam “Sem compromisso” (1944) de Geraldo pereira e Nelson Trigueiro, que havia sido regravada recentemente por Chico Buarque.
Notei uma bela moça, loura, mignon, numa mesa com dois casais. Naquele tempo, chamávamos a tal situação de “estar de vela”, ou seja, alguém que estava “sobrando”. Percebi que ela também me observava. Era um tempo em que se fumava sem restrições nesses ambientes e ela veio até a janela, próxima de mim, para “respirar” um pouco. Ao se aproximar, com seu vestido caqui, perfeito, trocamos olhares e ela, com um lindo sorriso, perguntou se eu não a chamaria para dançar. Expliquei a razão pela qual não conseguiria. Ela parece ter entendido e se afastou.
Bem mais tarde, meu amigo queria ficar e eu já iria embora. Quando me dirigi à escada, com delicada mão, tocou meu ombro e, com voz meiga, sensual como a de Íris Lettieri, descalça, segurando as sandálias de tiras, perguntou: “pode me dar uma carona?”
Show.
Velho Elite.
Bons tempos
Também tenho saudades.
Abraços.
Que delícia de artigo! Sua forma de descrever as cenas proporciona uma viagem que faz parecer estar ali vivenciando cada acontecimento. Que tal escrever um livro, um filme?
Acredito que será um sucesso! Parabéns Mário Sérgio Rodrigues Ananias! Seus artigos são incríveis!
Valeu, inclusive pelas dicas.