Peter Rossi
Cá estou eu, no mesmo restaurante, com o computador diante das mãos e olhos a pensar sobre um tema sobre o qual escrever.
Confesso que tenho, insistentemente, procurado não falar sobre lembranças do passado. É um tema recorrente em minha vida, eu sei. Já fui rotulado de saudosista por várias pessoas.
A princípio me assustei, tomei até como um princípio de crítica, e das ofensivas, como se nada tivesse capacidade para dizer além de remoer saudades.
Fico olhando para o lado, observando as pessoas que nem se dão conta de que estou ali, buscando alguma inspiração. A chuva cai lá fora, trazendo um vento bom nesse calor insuportável. Como chove em nossa cidade nessas épocas. Mas lavam a nossa alma, isso não podemos negar.
Peço ao garçom uma garrafa de vinho. Já sei, o álcool será o combustível a me levar para outras paragens, me permitindo respirar novos ares, sem sair do lugar. Ledo engano!
A escrita desponta quando menos se espera. E nossos dedos, na maioria das vezes, não acompanham a velocidade do nosso cérebro, tampouco a emoção em nosso peito.
E, me vejo novamente lembrando da minha infância, da minha mocidade. Nossa! Isso é ideia fixa!
Me incomoda o tanto que o passado vem à tona, o quanto me lembro de momentos já vividos, sobretudo aqueles em tenra idade. Será mesmo um incômodo, ou o retumbar das opiniões alheias?
Meu Deus, como eu fui feliz, mesmo sentindo, e me lembrando, de ocasiões que prefiro esquecer.
A cada lembrança um sorriso aparece, um cheiro povoa minhas narinas e minha retina teima em iniciar um processo de autolimpeza.
É … ser um saudosista não é tão mal assim. Não se pode atrelar tais sensações à absoluta falta de assunto presente. Claro que me interesso acerca do mundo à minha volta. Estou atento, na medida do possível, com a velocidade que o excesso de peso me permite. Piloto aviões, manuseio informações em tempo real, invado países, vivo romances. Viajo!
Mas as coisas antigas sempre despertaram em mim enorme interesse. Amo meus discos de vinil, meus livros, minha inseparável coleção de selos! Meu Deus, quem coleciona selos em pleno 2025!?
Adoro acumular, sei disso, como se mantendo perto de mim os objetos, eu consiga construir um mundo só meu.
Se eu pudesse, e meu dinheiro desse, teria um espaço enorme só pra guardar as lembranças, em forma de quinquilharias.
As outras, essas eu guardo dentro do meu peito, na minha memória e delas não abro mão.
Confesso, sou mesmo um saudosista! E não vejo nada demais nisso! Adoro o passado, lembrar de ocasiões, de pessoas, de lugares, de sensações. E isso não significa que estou alienado com relação ao presente e, tampouco, ignorando o que posso fazer para melhorar meu futuro.
Não há nenhum problema. Amar o que já vivi é a sensação de que a vida foi boa, de que fui feliz e, assim pensando, posso dizer que sou feliz! E tenho orgulho do que fui!
Se não tenho tudo que almejo, aliás, como qualquer mortal, ou pelo menos a maioria deles, essa é uma consequência da escalada de quereres que a vida moderna oferece, enlatados e amarrados com fita.
Desejar sempre mais é a tônica. A cada degrau alcançado, somos estimulados a pensar que nossos objetivos crescem. Nunca estamos satisfeitos. Queremos sempre mais e esse “sempre mais” é uma galáxia distante, por isso somos impelidos a pilotar foguetes.
Mas isso cansa!
Tem hora que o que a gente quer mais é deitar-se na rede da memória, com um ventinho no frescor do final de tarde e simplesmente contemplar o por do sol, sem pensar em nada, sem almejar nada, apenas lembrando de tudo de bom que já vivemos, com um indisfarçável sorriso de canto de boca e a sensação de que somos absolutamente felizes.
Ah meu querido amigo, sinto da mesma forma. Não é porque temos lembranças que nos fazem querer regressar aos momentos em que elas se concretizaram que desprezamos o nosso presente e, sim que aquelas lembranças, muitas vezes especiais nos forjaram a ser o que somos. Se isso for saudosismo, então, posso me classificar como saudosista sim , sem nenhum problema.