O bom velhinho

Mário Sérgio

Acho que foi a primeira casa de “pau-a-pique” que vi na minha curta vida de criança. Casa baixa, telhado muito simples e sem forro. O chão, de terra batida, comportava a escassez de móveis, própria daqueles que a sorte (ou a vida) mais tirou do que entregou. Aquele piso me fazia pensar que quem ali caminhasse ficaria com pés vermelhos, como minhas mãos e joelhos ficavam quando não estava com o aparelho ortopédico. Quatro cômodos pequenos; no banheiro a única cortina esgarçada como porta. Moraram ali dois idosos, com aparência de mais idade do que realmente tinham. Pai e filho. Viúvos. Um muito doente, vivia acamado, dependendo do filho até para suas necessidades básicas. Perderam suas poucas terras no processo de instalação da grande siderúrgica a uns 100km dali. Vieram quando Monlevade também nascia. Naquele reduzido lote, construíram essa casa de adobe, hábito das áreas rurais, então. 

No final de outubro, o pai se foi para o descanso eterno. Já era esperado. Nosso vizinho, que viera viver na cidade, não por vontade, não se adaptara. Só os corpos vieram, as almas permaneceram na roça.

Em dezembro, o clima de Natal estava em todos os lugares. Nas lojas, bares, ruas e em muitas das casas, incluindo a indispensável árvore com luzes e bolas coloridas e, em algumas, o presépio feito com capricho e alegria. 

Para nós, uma família numerosa e com poucos recursos, a festa tinha mais o espírito cristão, com o enfoque religioso e a preparação era sempre feita a muitas mãos, com participação de irmãos e irmãs.

Para o meu vizinho, parecia só mais um dia depressivo, solitário, que talvez já nem comportasse saudade e, com certeza já expulsara a esperança. Eu mesmo não compreendia muito bem a efusividade das pessoas com aquele período de calor em que, estranhamente, se utilizavam motivos com muita neve e o “mestre-de-cerimônia” usava roupas vermelhas, gorro e uma capote com peles, botinas de cano alto e luvas. 

Num instante perfeitamente casual, vi meu vizinho à janela e resolvi ser cordial. Ainda que, naquele tempo, ainda não sabesse o que seria “cordial”. Cumprimentei e fiz uma pergunta simples, coisa de criança:

– O que você pediu ao Papai Noel?

Ele me olhou com um olhar vazio, sorriso mínimo, barba bem esparsa, o rosto vincado pelo tempo e semioculto pela fumaça de seu cigarro de palha e respondeu com a voz baixa e rouca em seu sotaque interiorano:

– Acho que não vou ganhar nada, não. Eu não fui bonzinho esse ano. O que você pediu?

Já não me lembro o que respondi. Deve ter sido algum brinquedo simples, ao alcance de minhas reduzidas ambições. A maçã vermelhinha e linda era garantida. Também alguma roupa, pois era o padrão já reconhecido. Caso minha madrinha viesse de BH, com certeza ganharia um ou mais livros. E era uma alegria, porque abria as portas de minha imaginação.

Fico hoje, anos depois, pensando. O que mais poderia ser pena para aquele homem já tão castigado?

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