Rosangela Maluf
Quando o Uber surgiu, lá no comecinho da rua, ela abriu o portão e foi até a calçada. O carro parou, ela abriu a porta e cumprimentou o motorista. Hernani era o nome dele, conforme a mensagem recebida no celular. Um garoto. Disse bom dia e a resposta, para seu imenso espanto, veio em forma de um soluço.
– O que foi que aconteceu, menino? Por que você está chorando? Quer conversar? Desliga o carro. Uns minutinhos não irão me atrasar.
– Ah, dona. Me desculpa, mas estou desesperado, sem saber o que fazer da minha vida. Já faz uns três dias que só choro. Muito desesperado. Muito.
– Olha, meu filho, nada existe que não tenha uma solução. Abaixe este som. Melhor, desliga o rádio. Me conta o que está acontecendo. Falar é sempre bom.
– Quero incomodar não; pode deixar.
– Deixa de bobagem, menino! Se falei que posso conversar é porque posso. Para de chorar e me conta o que foi que houve pra toda esta tristeza. Quantos anos você tem, Hernani? Vinte e cinco? Da idade do meu filho caçula. Tá vendo? Você poderia ser meu filho…
– É, pena que não sou. Eu também tenho um filho.
– Que coisa boa. Qual a idade dele?
– Tem três aninhos. É um menino esperto, mas a mãe dele não tá nem aí…
– Calma. Me conta devagar.
– Sabe, dona, sou casado há três anos e como ainda não terminei os estudos, preciso trabalhar duro pra manter as coisas todas no lugar. Bancar a casa, pagar as contas. E tem a criança pequena, as despesas todas, né? Minha mulher não entende. Reclama que eu não paro em casa, que não levo ela a um barzinho, que ela tá cansada de cuidar do Rodriguinho. Cansada, não… de saco cheio, ela diz.
– Vocês precisam conversar, encontrar um meio termo. É saudável levá-la pra se distrair e você também precisa se divertir. Vocês são jovens demais e já com a enorme responsabilidade de cuidar de um filho. Não tem ninguém pra cuidar do garoto? Alguém pra ajudar a sua mulher também? A mãe dela talvez?
– Ah, dona, aí é que tá: moramos nos fundos da casa da minha mãe. Ela ajudava muito até que Bia, a minha mulher, começou a sair toda tarde deixando o menino com a mamãe. A mãe dela mora em Pedra Azul, norte de Minas, nem nunca veio conhecer o neto e as duas não combinam não. É um povo difícil demais. O povo da Bia é fora de série – na ruindade, viu? – No almoço de domingo, fui correndo em casa pra ver todo mundo rapidinho e aproveitar o churrasquinho que o meu irmão preparou. Ah, antes não tivesse ido. Todo mundo caiu em cima de mim. Me chamaram de trouxa, de bobo e de corno…
– Isto mesmo! Minha mãe falou: – Todo mundo já sabe que você está sendo passado pra trás. Chifre, sabe? Ela gritou pra todo mundo ouvir.
– Meu irmão tentou colocar panos quentes, mas não adiantou. Comecei a chorar ali mesmo, na frente de todo mundo. Não fosse minha irmã ter vindo e me abraçado, eu acho que teria desabado. Guardei o carro na garagem. Não iria mais trabalhar o resto do dia. Entrei, tomei um banho. Não quis ver mais ninguém, nem ouvir nada do que eles ainda tinham pra me dizer. Fui pra cama chorar. Baixinho, pra não acordar o menino que dormia no bercinho ao lado.
– Mas vocês precisam conversar. Só conversando, e procurando compreender o que está acontecendo, é que vocês chegarão a um acordo. Peça ajuda à sua irmã, fale com o seu irmão. Talvez dar um tempo pode ser uma saída. Esfriar a cabeça.
– Meu irmão também é contra a Bia. Diz que ela é muito folgada. Que eu preciso abrir os olhos, ficar esperto! E eu sou doido por ela, dona. Nunca gostei de uma mulher tanto assim. Quando ela diz que não quer saber de mim, do nosso casamento e nem do Rodriguinho… eu quero morrer. Aí eu penso, se a gente conversar e ela quiser ir embora, como é que eu fico? O que é que eu faço? E o menino? Como vou continuar trabalhando? E o curso de Informática que quero fazer? Viver sem ela? Dou conta não!
Ele aproveita um sinal fechado, debruça-se sobre o volante e chora mais. Soluça. A pobre da passageira não sabe o que dizer. Fica escutando o soluçar daquele garoto. Quanto sofrimento! E fica pensando, como poderia ajudar. Nenhuma ideia lhe ocorre. Não quer nem mesmo continuar a falar sobre o assunto. Respira fundo enquanto o jovem motorista procura algo no celular.
Encontra a foto do filho. Uma criança linda, sorridente no colo do pai (ele). – Olha aqui, dona. Este é o Rodriguinho. Sou doido por este menino, a senhora nem imagina. Parecido comigo, né não? Todo mundo diz que ele é a minha cara. Beija a tela e volta a colocar o celular no suporte do painel.
Enxuga uma lágrima na manga da camisa. O sinal abre e lá se vão, os dois.
A passageira, que sempre se orgulhou de ajudar o próximo, não sabe o que fazer. Como boa católica praticante, promete rezas, novenas e terços pedindo ajuda para ele. Um silêncio. – Deus lhe pague, dona! Só mesmo Ele pra me ajudar. Reza sim, reza por mim. Pela Bia também. Ah, e não esquece o Rodriguinho.
Chegaram ao destino. O menino agradece mais uma vez. Ela se sente comovida com a história daquele garoto. Não pode fazer nada. Nem conversar mais um pouco. Queria muito abraçá-lo, mas uma divisória de acrílico impede este carinho.
Desce do carro e olha mais uma vez a carinha meio sorridente do Hernani.
Dá tchau com as duas mãos.
Ele retribui.
E assim vão, cada um pro seu lado.
*Numa tarde fria de agosto!
Aí, que história triste.