Mário Sérgio
Hoje se fala bastante, com razão, das diferenças entre preço e valor. Algumas coisas são caras porque são raras, ainda que não sejam tão boas para todos os gostos ou necessidades. Muitos não entendem o preço atribuído a coisas que que não lhes são aprazíveis. Às vezes, pessoas se digladiam por coisas que, para outros não representam qualquer valor ou interesse. Veja-se, por exemplo, entre outros, a violenta disputa pelo território israelense, cuja composição é 80% de deserto e quase 15% só não o é pelo esforço hercúleo dispendido pelo povo judeu que ali se instalou. E isso se confirma em outras áreas, como as torcidas esportivas. Um uniforme ou mesmo uma camisa “oficial” de uma equipe, alcançam valores impraticáveis para uns e irrisórios para outros. Depende da paixão de cada torcedor ou da indiferença que se aplique ao time em questão.
Me lembro de uma situação de infância em que um farmacêutico da minha cidade, João Monlevade/MG, cujo único contato que tínhamos era o fato de eu passar na rua, defronte a sua loja, quando voltava da escola para casa. Ele me dirigia um olhar rancoroso, de “poucos amigos”, e dizia entre os dentes que “os aleijados são os marcados por Deus”. A ver daquele senhor, as sequelas de pólio que impediram o desenvolvimento normal de minhas pernas, seriam uma marca indelével numa criança, estigmatizadas pelo amor divino. Que coisa!
Desse relato, resta que, sem qualquer razão aparente, algumas pessoas tripudiam até a quem, talvez, devessem estender a mão. Descartam qualquer possibilidade de respeito, num gesto metonímico em que enxergam o indivíduo pelo prisma obtuso da deficiência.
Em sentido diverso, no filme “Uma Linda Mulher” (1990), de J. F. Lawton, dirigido por Garry Marshall; com Richard Gere, Julia Roberts e Laura San Giacomo; o protagonista sofre acrofobia, tem medo de altura. No entanto se hospeda sempre nos andares mais altos, pois é onde se encontram as melhores suítes. Ou seja, o valor, no caso, é bem menor que o preço. É a opção pela imagem em detrimento da qualidade percebida.
Também se pode vislumbrar que o valor intrínseco das coisas, normalmente está ligado diretamente ao gosto, cultura ou vivência de quem as experimenta. Na música “Caviar”, de Barbeirinho do Jacarezinho, Luiz Grande e Marcos Diniz (2002), deliciosamente interpretada por Zeca Pagodinho, a iguaria é uma raridade. As pessoas nunca viram, nem comeram; apenas ouviram falar. E não é um prato para todos os paladares, pelo preço e pelo sabor. Ou seja, muitos acreditam que não vale o que custa.
Da mesma forma, a malemolente música “Lamento Sertanejo” (1975), de Gilberto Gil e Dominguinhos, contrariando a opção pelo luxo e conforto buscado por muitos, aduz: “Não gosto de cama mole, não sei comer sem torresmo”. E o intérprete, quase em tom de gostosa preguiça, valoriza aquilo de que muitos querem se distanciar: o jeito simples, e prazeroso, de viver e sentir a vida.
Quando conseguimos viver nossos valores sem querer moldar o dos outros, a vida fica mais leve.