Peter Rossi
Por múltiplas razões, acabei voltando de ônibus, numa viagem em visita a meus familiares. Muitas horas de viagem, porém confortavelmente instalado em um “leito”, com direito a manta, travesseiro, lanche. Não fossem as horas demasiadas, me arriscaria a dizer que foi muito mais confortável do que uma viagem aérea. Faz muito tempo que não viajo de ônibus e vou dizer: devo, certamente, repetir a experiência.
O longo trajeto me permitiu ler um livro que já deveria ter lido antes. Confesso que nem dormi tanto, mas me senti confortável, aquecido e feliz.
Enfim, mas esse não é o contexto do que pretendo dizer.
Na manhã seguinte – parti na noite anterior – cheguei à rodoviária da nossa cidade. O ônibus imenso, de dois andares, tinha certa dificuldade em trafegar em meio ao trânsito intenso da manhã de uma segunda-feira. Isso me permitiu, após colocar a poltrona na posição vertical, observar pela janela detalhes da cidade que antes ignorava. Dentro de um carro, nas mesmas vias, só observamos o veículo que está à nossa frente, nada mais.
Segui assim até a chegada à rodoviária. Observei cada detalhe. Tão logo o ônibus estacionou resolvi ficar mais um pouco, descer somente após os demais.
Não sabia, por exemplo, que existia um hotel ali. Fiquei imaginando as pessoas chegando e descansando dignamente em uma cama até o horário de sua viagem, ao invés de ficarem cimentadas às cadeiras, com diversas malas e sacolas ao redor, olhos grudados no celular.
Segui observando as placas das lojas, se assim posso dizer. Vi guarda-volumes, com aviso em lâmpadas de led na cor azul, vi cafeteria, com a logomarca de um produto de Minas muito conhecido. Vi lojinhas de bugigangas, enfim, um mundo ao qual não tinha prestado atenção.
Busquei na memória meus retornos a Nova Lima, ainda rapazinho, afinal os ônibus da Viação Novalimense partiam da rodoviária. Antes saíam da Praça da Estação, mas essa é outra história.
Não consegui me lembrar de nada, infelizmente. Me lembro de subir as escadas e me instalar em poltronas invariavelmente na cor vinho. Mas nada me veio a mente quanto ao mundo ao redor.
Por isso me refiro ao movimento que vi no meu retorno como algo novo e muito interessante. Desci do ônibus, fui alcançar a minha mala e com ela em mãos, deslizando pelo chão da rodoviária, resolvi fazer uma investigação. Me senti um intruso que acabou de chegar a uma ilha. Queria conhecer tudo que me rodeava. E assim, preguiçosamente, saí arrastando a mala sobre suas pequenas rodas, olhando a tudo e todos. Vi uma loteria, banheiros, bares, chaveiros, enfim, uma infinidade de situações que, apesar de diversas, conviviam em plena harmonia.
Engraçado que não vi tantas pessoas estressadas como sempre vejo nos aeroportos. Correndo entre lojas de luxo e restaurantes os mais diversificados.
Na rodoviária o passo é mais lento, embora tudo funcione a tempo e modo, com todos os ônibus, pude perceber, partindo na hora marcada.
Não é um ambiente dos mais agradáveis à primeira vista. O Poder Público entende que não são necessários maiores esforços para transformar o ambiente em confortável, afinal são apenas pessoas de renda mais baixa que circulam ali. Ledo engano! Antes de tudo, são pessoas e pessoas devem brilhar, como nos ensinou Caetano.
A rodoviária, embora democrática, deve carinho às retinas de quem circula por lá. Poderia ser eficiente como é, mas também atraente. A mulher mais linda do baile a convidar-nos, com seu olhar tímido, para a próxima dança.
A experiência foi muito interessante. Usei o tempo que não tinha para abrir meu coração e enxergar aqueles que antes passavam desapercebidos. Todos com seu charme próprio, com seus sonhos, com suas esperanças. Não são invisíveis, pelo contrário!
Observei mulheres de meia-idade com três crianças ao redor, sendo uma de colo. Meu Deus, como consegue organizar tudo? Fato é que consegue sim. Passei minha mão na cabeça do maior deles e recebi de presente um sorriso aberto da mãe. Ela estava ali numa situação que talvez eu não conseguisse administrar, e ainda assim distribuía sorrisos! Que lição de vida!
Caminhei até a fila do táxi, afinal tinha uma reunião marcada logo em seguida. Ainda assim, caminhei vagarosamente, queria experimentar aquelas cores e cheiros o máximo possível. Uma experiência diferente, porém complementar. Não para me ensinar que a vida é diferente, isso eu já sei. Mas para confirmar que, mesmo sendo diferente para alguns, a vida é boa, ela sempre é!