Tadeu Duarte
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O filósofo Zygmunt Bauman descreveu a fluidez das relações contemporâneas como “relações líquidas”, nas quais o que vale são as experiências pessoais de cada um, sem a construção da identidade de um casal, da integração entre dois indivíduos.
Ocorre que Bauman, embora certeiro em sua análise, pensava as relações líquidas como um acordo claro e transparente entre as partes. Mas o filósofo polonês, um homem acadêmico e idoso, não contava com a astúcia e a brasileiragem de Cláudio Augusto, um moleque de rua e picareta master, em fingir para as Tinderianas a possibilidade de uma relação sólida.
Mais dissimulado que o PowerPoint de Deltan Dallagnol, Cláudio logo entendeu que teria mais sexo transmitindo credibilidade com a enganosa conversa mole de que, se encontrasse alguém especial, estaria aberto e disposto e a ter um relacionamento sério.
Mais adiante, após muita leitura labial e pilãozinho, quando a coisa começava a engatar, ele, mais escorregadio que um peixe ensaboado, mentia não poder assumir um compromisso sério pois estava de mudança para Portugal. Seria uma irresponsabilidade afetiva de sua parte assumir um relacionamento naquelas condições.
O comportamento de Cláudio Augusto escapava ao olhar crítico dos filósofos. Muito à frente da contemporaneidade das relações líquidas, ele já estava nas relações gasosas. Nelas, os laços eram instantâneos e invisíveis. Suas relações logo se esvaiam, e como um peido fedorento, deixavam no ar apenas o desconforto de uma lembrança podre.
Quando ouço o bolero romântico de Julio Iglesias, Una Noche e Nada Más, me lembro de um encontro particularmente insensível de Cláudio Augusto. Combinou de se encontrar com uma moça na porta do Shopping Cidade. Entrou conversando com ela pela portaria da rua Rio de Janeiro e, sem tomar sequer uma casquinha do MC Donald’s, saiu pela rua São Paulo, próximo a onde parou seu carro para não pagar estacionamento.
Foi direto para o motel mais barato que conhecia e premiou a garota com água de filtro em garrafa pet e Tommy Lee Jones. De lá, como de costume, a deixou em um ponto de ônibus. Ao chegar em casa ela mandou uma mensagem dizendo que havia adorado aquela noite.
No dia seguinte e nos posteriores, Cláudio jamais a procurou, até que, seis meses depois, num daqueles domingos em que o desespero bate por não ter conseguido nada no fim de semana, ele a chamou pra sair.
Para a minha perplexidade, ela topou. Mas impôs uma condição: ele teria que esperar um pouco mais pra ela poder lavar o cabelo antes de sair de casa!
Nesse dia ele saiu vestido de bermuda e chinelo, pois como iria direto para o motel não precisaria se arrumar. De lá, mais uma vez, ela voltou pra casa de ônibus. Duas noches, água de filtro e nada más.
Ainda hoje reflito esse dilema insolúvel: ou ele é muito bom no pilãozinho e leitura labial, ou o feminismo precisa ser uma matéria obrigatória desde o maternal.
Até mesmo o Tinder foi enganado por Cláudio Augusto. Ele intuitivamente percebeu que o aplicativo colocava em evidência os novos membros, de forma a favorecê-los a conseguir interações mais rapidamente e fidelizá-los no aplicativo. Malandrucho que só ele, vivia encerrando e ativando novos perfis, afinal, era de graça. Placar final: Cláudio Augusto 1 x 0 Inteligência Artificial.
Ironia do destino, certa feita Cláudio deu match com uma moça bela, recatada e do lar. Ela, moradora da elegante zona sul de Belo Horizonte, era o clichê dos seus sonhos: linda e loira. Se encontraram algumas vezes e logo começaram a namorar.
Dada a galáctica distância de universos entre os dois, eu tinha a plena certeza de que aquela relação não duraria três meses.
Hoje, seis anos depois, estão casados.
Engana-se quem pensa que nessa relação ele diminuiu um milímetro em sua pão durice aguda. Namorou e se casou nos seus mesmos termos de sempre.
Driblou os custos da cerimônia na igreja e também da festa de casamento alegando que estava terminando de pagar as parcelas do apartamento que adquiriu anos antes, e se casou 0800.
A família da noiva custeou todas as despesas, mobiliou o apartamento como presente de casamento e ainda pagou a lua de mel.
Não gosto de fofocas mas, pelo que se ouviu, ele não pôs a mão no bolso nem pra pagar seu próprio terno. Também não precisou arcar com os custos das alianças do casamento, pois Cláudio herdou e reciclou os anéis de sua mãe e de seu falecido pai.
O amor é lindo.