Peter Rossi
Estou cada vez mais convicto de que o mundo atual é impermeável. Os cenários são fictícios, apenas… cenários.
O entorno, antes emulado, agora é resultado da inteligência artificial. Bastam alguns “prompts” adequados e o que era frio se aquece, o que era dia anoitece, e a mordida se derrete em beijo.
Mas, no fundo, apesar da novidade, nossos olhos vão se acostumando a tais vestíbulos artificiais, túmulos de emoções. Com um pouco de experiência, conseguimos perceber que o que a inteligência artificial cria nem tão inteligente assim é. Os maneirismos sempre os mesmos. A forma de mentir, de criar do nada o que nada existe, tudo já demonstra uma película, um contorno similar.
Enquanto isso, nos preocupamos em dialogar com as máquinas, esquecendo de que elas respondem sem, entretanto, escutar. Ou seja, estamos falando com o nada e ouvindo suas respostas absolutamente vazias.
Essa tecnologia é tão prepotente que se arvora a ver por nós, a sentir, a imaginar, tendo ao fundo o desenho que fez para nos enganar. E nós, traídos, ainda assim nos sentimos atraídos. Que contradição!
Nada é original! Já se desenvolveram as ferramentas para aferir o plágio, porém a inteligência artificial não é antropofágica. Ela não irá contra si mesma, como os antigos filmes de ficção científica sugeriam. Não! Travestida de verdade, ela fingirá que conseguiu chegar ao fundo do fim e, tranquilizando a tudo e todos, emergirá sorrindo e dizendo que a vida continua …
De fato a vida continua mesmo, mas ela é, a cada dia que passa, menor, insensível, imensurável e usurpadora. Sentimentos são penduricalhos sem utilidade alguma. Sentir é algo que não condiz com o mundo moderno. Que coisa mais antiga! Ao sentir, a máquina se perde em seus próprios algoritmos e nada consegue concluir. Que absurdo! Como enxertar na receita um ingrediente tão desmedido? Sentimento não tem escala de avaliação e, por isso mesmo, não há como aferir se interfere e como interfere no resultado final. Não! Mil vezes não! A máquina deve seguir seu prumo inclinado, sempre na ascendente e não pode ser abastecida com emoções e sentimentos. Deixa que ela mesma, utilizando sua paleta de cores, trate de introduzir, ou melhor fazer explodir, algumas sensações.
A despeito da aversão que nutro pela inteligência artificial, utilizando o etarismo a justificar tal repulsa, confirmo que não estou preparado para ter os caminhos traçados pela mecatrônica e enfrentar como respostas todas aquelas que no fundo queria ouvir. É proibido proibir, já dizia o poeta baiano!
Sigo aqui como baluarte da velhice intransigente e avessa a essa primavera inodora, com flores feitas de papel celofane. Me desculpem, mas prefiro assim. De artificial basta a minha saúde, sustentada por uma dezena de comprimidos.
Quero ter o direito de rir risos amarelos por não entender o que me é apresentado, de soltar gases sem me sentir o pior dos seres humanos, de recusar a comer vegetais verdes.
Quero ser somente o que sou, sem nenhum pingo de vaidade, muito embora tenha a exata certeza de que essa tal IA não seria capaz de pensar alguém como eu, como nós!
Somos únicos, não repetidos. Gostamos de abrir os pacotes de figurinhas e, com esperança, buscar aquela última que nos permita encher o álbum. Por favor, não me venham com figurinhas fabricadas apenas para que possamos sentir a gratidão por não precisar colar mais nenhuma. Nada disso! Nos permita, mundo moderno, passar a noite em claro buscando a solução de algo que nos atormenta, sem que a resposta venha do apertar das teclas. Não existe sensação maior do que imaginar, no nosso pensar, como resolver algo que precisamos que seja resolvido! Esse é o “boom” da vida.
E você, inteligência artificial, nem se arrisque a pensar meu pensamento. Não lhe dou esse direito e nem quero extrair de você as respostas que eu mesmo devo responder.
Sigo o ermitão “anti-cibernético” e como um caracol, trazendo às costas as soluções para minha vida. Vou me servindo das ferramentas e tecnologias que não pensem por mim, que apenas me obedeçam mecanicamente. As demais, aquelas presunçosas a ponto de imaginar que serão as únicas sobreviventes, essas eu desprezo. Sempre vivi sem elas e sou obrigado a confessar que ao longo desses anos sempre fui feliz!
Aos que estão por vir, sugiro apenas que fiquem atentos. Não se deixem invadir, não deixem que derramem suas entranhas, seu âmago num tubo de ensaio qualquer, substituindo músculos e nervos por placas-mãe e chips.
Conversa fiada essa de que o mundo é muito melhor com a tal da IA. Que ela favorece, facilita, auxilia. Pode ser que em operações de natureza mecânica isso ocorra, mas ela não tem e nunca terá o condão, o poder, de pensar por nós. Até entendo que elas acreditem que sim, mas tudo não passa de um ledo e amargo engano.
Ela não consegue sentir o calor de um beijo e o frio na barriga, com todos os hormônios dançando carnaval dentro de nós. Não sente o cheiro da terra molhada após a chuva, embora eu tenha dúvida se o cheiro é da terra ou do céu. Ela não se permite dizer a verdade quando entende que para seus objetivos isso não é conveniente.
Resisto e resisto! Os registros, esses que fiquem por aí …
Bom dia, Peter!
Apesar de estar com meus quarenta e tantos anos, também tenho uma aversão imensa à IA. Não consigo vislumbrar os propalados ganhos com seu uso. Vejo a cada dia as pessoas mais isoladas e desatentas. Difícil…
Abraço
Obrigado Juliana, é o ser humano procurando substituir-se e, enquanto isso, deixando de viver essa vida tão maravilhosa! Peter
Peter,
Não tenho intimidade com a IA, embora já tenhamos tido algum contato mas concordo plenamente com você que nada substitui as emoções e sensações que somente nós, humanos, temos a capacidade de experimentar.
Abraço
Amigo,
Confesso que tanta modernidade me assusta – e muito!
Estamos correndo contra o tempo analógico sem opção de escolha. Ou é adaptar ou é ficar fora do mundo. Que medo!
Um beijo