Mário Sérgio
Lembrei, aqui nesses dias de intensas queimadas, em que fuligens encobrem os céus, um momento de vazio em que o coração pareceu também queimar.
O bar que já foi mais conceituado, hoje chamado de “copo sujo”, não como referência à sua higiene, mas como reminiscência daqueles que se perdem nas muitas paisagens de seu efêmero espaço. Ali estava eu, muito jovem ainda, com o coração já em frangalhos pelo abandono. Aquele ambiente de iluminação parca, a cantora cansada, com a voz amargurada, interpreta outro bolero sofrido, mas dolente e aconchegante. Tudo contribui para afogar mágoas. Seria bom estar ali? O álcool não me interessava.
Sombras vagavam entre as mesas com passos arrastados suportando o peso de suas dores, seus ressentimentos e sua solidão que insistia em não deixar ver além dos próprios copos. Casais se formavam por interesses inconfessáveis, com a certeza de um grande amor que se desfaria na manhã seguinte, aos primeiros raios de sol. E cada um voltaria à própria rotina sem perspectivas de futuro, só com o receio de ter ido além da esperança de uma única noite. Quais as belezas suportariam mais uma investida do dia? Ou a mais um vazio deixado pela noite? E porque eu deveria me importar com qualquer coisa além de minha própria desilusão amorosa? Talvez até encontrasse alguém com quem unir meu gosto pelos ritmos latinos, por “Mar y Cielo”, minha aversão à cerveja e minha paixão despedaçada.
Busco em redor tateando com o olhar entre a fumaça dos cigarros, que ainda eram permitidos e os corpos indefinidos dos que se encaminham à pequena pista de dança em frente ao palco. Cinco pessoas conversam a poucos metros, a duas mesas de onde estou. Falam em tom confidencial, diferente dos bares abertos, de fim de tarde, onde a conversa ganha contornos de gritos à medida que as garrafas esvaziam. Minha insegura juventude ainda não consegue ser vencida por alguma bebida e me sinto diferente, fora de meu ambiente, revestido de uma pintura incompatível, que não cabe ali. Sou estrangeiro naquele burburinho e, avalio, não serei acolhido; somos estrutura química conflitante.
Se ao menos minhas instáveis e raquíticas pernas sob a mesa me permitissem levantar lépido, fagueiro e dançar; me apresentar e convidar alguma daquelas maquiadas donzelas para alguns momentos de proximidade, para falar de mim, ouvir-lhe as estórias. E, quem sabe (?), conquistar sua atenção, estimular seu interesse para o tórrido amor de uma única noite; entender, de uma vez por todas, o que elas esperam de um bom par.
Dois casais se dirigem à pista, a bela ruiva fica solitária, delicadamente sorvendo bebida avermelhada do copo longo com limão na borda. Seria minha oportunidade? E se não for? Como iniciar a abordagem se não com convite para… Não. Eu não sei, eu nunca nem tentei dançar de pé. Sinto-me tão vulnerável. Ela me olha, eu desvio o olhar sem sequer arriscar um riso. O que ela vai pensar quando eu me levantar?
Sinceramente, eu nunca saberei.