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Jogo do Galo

Rosangela Maluf

Quando se conheceram, ambos já sabiam das limitações e dificuldades que aquele início de romance teria. Ele, por ser casado, ter três filhos, trabalho sem horário fixo de saída, muito preocupado (e amedrontado) com as possíveis reações da mulher-fera: brava feito uma onça. Ela, solteira, maior de cinquenta, dentista, fazendo seu próprio horário, vivendo sozinha em um apartamento sem ninguém para lhe encher a paciência, dona do seu próprio nariz e ponto final.

Resolveram assumir o caso. Traçaram um plano para um único encontro semanal. Futuramente, quem sabe, se tudo desse certo, dois planos B e C, minuciosamente detalhados e passíveis de serem colocados em prática. Assim, entre um inocente café e outro — nem tão inocente assim — resolveram que teriam, sim, um affair. Para isso, seria necessário um planejamento estratégico, acompanhado de etapas muito bem descritas para que tudo fosse programado de modo a não conter nenhuma falha, nenhum descuido, nada.

Partiram para a definição da primeira etapa. Ficou acertado que o encontro semanal seria às quartas-feiras, dias em que o Galo jogava, pois era início do campeonato mineiro. Jorginho era absolutamente, totalmente, completamente alucinado pelo seu clube do coração, e ninguém poderia imaginar que ele estaria disposto a abrir mão dos jogos para encontrar-se com Lila!

Mas foi assim que imaginaram: de carro, ele sairia do trabalho, passaria em casa, colocaria a camisa preta e branca e, o mais cedo possível, pegaria dois colegas antes de ir para o Mineirão. Faria um lanche rápido. Se tivesse fome, comeria mais tarde um tropeiro no estádio. Tudo bem depressa. Não podia se atrasar. Os colegas já estavam esperando. As chaves, o celular, os óculos, a carteira, tudo pronto? Sim. Assim deveria ser…

Ela atenderia o último cliente marcado para as seis da tarde. Faria, com calma, seu trabalho, desligaria os equipamentos, fecharia o consultório, iria para casa. Tiraria a roupa branca, tomaria um superbanho e, toda perfumada, esperaria por ele. Jorginho não deveria demorar.

E assim (quase) foi… No dia do jogo, a quarta-feira apresentava um tempo feio: céu cinzento, várias pancadinhas de chuva ao longo da tarde. No final do dia, Jorginho liga para casa, fala com a esposa e confirma sua ida ao jogo. Preferiu deixar o carro em casa. Iria com os amigos do escritório e, por isso, deveria chegar um pouco mais tarde.

— Sim, trouxe a camisa na mochila… — ele responde.

— Não; pra que guarda-chuva, mulher?… — ele diz.

O último cliente de Lila trabalhava no mesmo prédio que ela. Tinha por hábito marcar o último horário. Ela lhe agendou o tratamento de canal naquela tarde, não muito demorado. Assim, Lila pensou, mesmo com o trânsito ruim por causa do jogo, chegaria em casa dentro de meia hora: teria tempo de sobra.

A chuvinha deu trégua. O tempo esfriou, o trânsito ficou ainda pior. Jorginho, a caminho do Mineirão, e Lila, a caminho de casa. Ela liga o rádio do carro para saber sobre o jogo. Não era atleticana, mas hoje se interessava por futebol. Queria confirmar os horários, as retenções no trânsito, as entrevistas anteriores ao jogo, as declarações dos torcedores.

Tudo ocorreu como combinado, sem nenhuma intercorrência…

Na casa de Lila, o encontro foi muito bom.

Teve um lanchinho rápido e, ao contrário do que haviam programado, um gostoso e demorado banho a dois.

Conversa bem-humorada na cama. Carícias. Afagos. Muitos beijos… antes! Uma química bem combinada, um fogo mais intenso que o esperado, corações em disparada, durante… e muitos abraços apertados… depois. Um intervalo para avaliar o jogo, rapidamente. A volta para os lençóis macios, o abajur apagado, o barulhinho da chuva que voltara a cair, conversa mais séria, declarações de carinho, de amor, e a continuidade do projeto “Encontros”. Mãos e pernas entrelaçadas, cheiro bom de pele limpa, respiração em um único ritmo. Ainda na cama, houve tempo para falar de família, de livros, de filmes, programar viagens, por que não?

Já passava da meia-noite quando Jorginho entrou em sua casa, devagarinho para não acordar ninguém. Mesmo com fome, sequer abriu a geladeira. Com sede, tomou água na cozinha para não levar nada para o quarto. A roupa foi deixada sobre o sofá, na sala de televisão. Ficou apenas a camiseta branca, lisa. A mulher dormia a sono solto. Ressonava, quase um ronco. Aproveitando a porta aberta, Jorginho dá uma espiada no quarto dos filhos: os três dormem feito anjos. Lentamente, ele se deita. Nem se mexe. Ela também não. Imóvel.

Ele respira fundo. Tenta não se virar, o mais quietinho possível.

Não se dá conta de que horas foi dormir.

Não se lembra com o que sonhou.

Acorda apavorado quando olha para o relógio e vê que está muito atrasado. Sozinho na cama, sente o cheiro de café. Vai para o chuveiro e, logo ele, que se diz ateu, ajoelha-se no chão do box e agradece a Nossa Senhora Aparecida — e pede a mesma sorte para as próximas vezes.

A mulher entra no quarto e abre a porta do banheiro.

— Você nem sabe o que houve ontem?

— O quê? (Gelou)

— A TV mostrou bem rapidinho a sua turma do escritório. Todos os quatro estavam lá. E eu não vi você. O Neco, o Felipão, o Tomazini e o Eduardo.

— Puxa, que azar o meu! Justamente quando saí para comprar feijão tropeiro para a turma… (risos) Sabe, teve um sorteio e eu fui o escolhido para comprar o jantar para todo mundo… (ri sem graça). Ainda bem que não perdi a hora do gol, né? (coração disparado, frio na barriga, tudo gelado…)

— Não demora. Vou fazer omelete para nós. Venha logo para não esfriar.

Com seus botões, Jorginho conversa:

— Senhora Aparecida, prometo uma vela. Duas. Não, uma dúzia.

Obrigada, minha santa.

Amém.

 

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