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Sejamos desajustados

Daniela Mata Machado

“Na normose, as pessoas saudáveis são desajustadas. Sejamos esquisitos.”

Roberto Crema

Uns dias atrás, passando pelo Centro de BH, para levar minha filha mais velha ao dentista, vi uma cena bem pitoresca. Um sujeito conversava muito animadamente com as estátuas de Carlos Drummond de Andrade e Pedro Nava, dispostas próximo à porta dos fundos da Prefeitura. Ele abraçava Pedro Nava e dizia segredos ao ouvido de Drummond, cuja mão de metal foi decapitada há mais de 2 anos por alguém que talvez quisesse lhe roubar a poesia. E eu me encantei tanto por aquela conversa que minha filha, intuindo que eu talvez resolvesse me apresentar ao trio para participar do assunto, tratou de me puxar pela mão e contar histórias envolventes para me tirar logo dali.

Ela estava certa. Eu tenho uma forte atração por esses que recebem o rótulo de loucos, malucos ou doidos. E as adolescentes têm uma proporcional aversão a um negócio chamado “pagar mico”. Vai que um colega da escola passa por nós e descobre que a mãe da menina conversa animadamente com um doido e duas estátuas… Sua reputação estaria arruinada.

Mais tarde, enquanto a aguardava no consultório da dentista, me salta à tela do celular a notícia de um casal que, num outro consultório odontológico, havia quebrado toda a recepção sob a prerrogativa de que haviam implantado um chip espião, do tamanho de um grão de arroz, dentro do dente da moça. Seria cômico se não fosse trágico, já que o casal, que carregava consigo três crianças pequenas, além de quebrar vidros e objetos da recepção, ameaçou funcionários de morte caso o dente – em bom estado – não fosse arrancado da boca da mulher.

Na internet, o caso dividiu opiniões e, enquanto centenas de leigos diagnosticavam a moça com dezenas de transtornos psiquiátricos após a leitura do título da matéria, outros tantos despejavam sobre ela o ódio que usualmente se dedica aos doidos. Eu não sou capaz de opinar sobre a existência ou inexistência de qualquer transtorno na pessoa que crê firmemente na hipótese de que a dentista que arrumou o seu dente foi capaz de implantar dentro dele um chip do tamanho de um grão de arroz, com o objetivo de ouvir suas conversas particulares com o marido, com a mãe ou, talvez, com suas vizinhas. Não vim aqui para isso.

Mas enquanto o amigo dos escritores me causa imensa empatia pela sua ternura, tão firmemente desajustada a esta sociedade doente, o aparente surto da moça me provoca um misto de medo e compaixão. Há uma linha muito clara dividindo as mentes e os universos desses dois seres, tão facilmente atirados à vala comum dos “loucos”: o homem que abraça estátuas não se ajusta a este mundo, mas a moça que quebra o consultório odontológico, ao contrário, esforça-se como pode para adaptar-se a uma sociedade profundamente enferma – que acredita em chips espiões implantados pela agulha das vacinas ou pela broca dos dentistas –, cujo modus operandi nos solicita, frequentemente, a brutalidade e a violência.

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Foto: Tulio Santos/EM/D.A Press

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    • É sempre muito bom ler seus textos, parabéns você consegue de uma forma leve e atraente, nos levar para a nossa alma, com todas as reflexões que o imaginarium desperta.

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