Mário Sérgio
A questão da manutenção dos equipamentos de poio para uma PcD, sempre causou um certo transtorno. Utilizando uma expressão bem conhecida, fazendo uma analogia, é como “trocar um pneu com o veículo em movimento”.
Na maioria das vezes, demanda o auxílio de terceiros; ou o uso de oficinas especializadas, cada vez mais raras atualmente.
Se você já teve que deixar o seu carro em oficina para reparos mecânicos ou lanternagem, sabem o que algumas PcD passam sem seus aparelhos ortopédicos, cadeiras de rodas, óculos, aparelhos auditivos, etc. Observando que paulistas chamam de funilaria, o que os mineiros chamam de lanternagem. Já ouvi a justificativa de que não se trata de consertar “lanternas”. Mas acho que também não são “funis”. Enfim…
Experiências ruins podem causar alguns traumas, como o que me ocorreu quando troquei o antigo aparelho ortopédico que usava, tutor longo da perna esquerda, de aço, pesado, por um modelo novo, 2.0, em alumínio anodizado. O novo equipamento era bem mais leve, tanto que não inspirava confiança num primeiro momento.
Menos de dois por cento desses aparelhos ortopédicos apresentam problemas importantes. Na maioria das vezes, um pequeno e rápido ajuste feito na oficina ortopédica e está tudo perfeito para o uso longevo e seguro. Eu estive, uma vez, nesses 2%.
Caminhando na pequena rua descida, um dos anéis que prendiam a articulação na altura do joelho se abriu e entrei em curta queda livre helicoidal. Como o outro lado resistiu, as peças se contorceram na perna enquanto eu me esborrachava no chão. Por muito pouco não sofri fraturas, mas houve muitos ferimentos e hematomas. Foi o suficiente para que eu retornasse ao velho aparelho pesado e, na próxima troca, de aço outra vez. Perdi a confiança.
Outra cena curiosa aconteceu com um amigo, também PcD com sequela de pólio, que usava muletas axilares de madeira. Eram suas companheiras de longa data. O uso contínuo, sob sol e chuva as enxovalhou, deixando-as com uma aparência quase de miséria. Certa segunda-feira fomos convidados a
participar de um evento que teria cobertura da mídia, no qual seríamos entrevistados ao vivo. Meu amigo ponderou que seria necessário “dar um grau” nas desgastadas muletas e se dispôs a isso.
No dia do evento, quase todos os que o conhecíamos há muito, vimos com surpresa aquelas maravilhas, madeiras lustradíssimas, parafusos e porcas dos extensores com reflexos de aço polido e as proteções almofadadas cintilantes.
Respondendo à nossa curiosidade, ele informou que desmontou as bengalas, colocou os parafusos num líquido antioxidante. Enquanto isso, despregou as almofadas, e começou a lustrá-las com cera de sapateiro e forte escovação. Depois, seguindo um conselho, lustrou as madeiras com uma mistura de pó de vidro e cera de carnaúba, esfregados com estopa. Limpou as borrachas da ponta e, cedo, no dia seguinte iria remontar tudo.
– Então foi isso? Alguém perguntou.
– De jeito nenhum. Deu tudo errado e estava ficando pior. Paguei uma boa grana ao sapateiro lá perto de casa e ele fez esse belo trabalho.