– Olha, Suzana, quem já está de saco cheio sou eu. Já é tarde, amanhã trabalho cedo e você fica aí nessa reclamação sem fim como se eu tivesse culpa pelos seus insucessos amorosos. Falei mais de mil vezes, esse cara não é flor que se cheire. Bastava prestar atenção ao que ele lhe disse, um papo atravessado, sem finalidade, apenasmente querendo levar você para a cama. Só podia dar mesmo numa trepada desastrosa.
(Fungada de nariz + justificativas sem consistência).
– Eu sei, claro que sei, sei da carência, da tristeza, do final de semana sem nenhum plano de ação; o que fazer na sexta-feira à noite? Tudo isso, já sei. Você já me disse, vive repetindo, batendo na mesma tecla. O papo não muda, é sempre a mesma ladainha. Sei da sua dificuldade em ficar bem, sozinha. Sei, vive falando que sente falta de companhia, que não nasceu para viver só, mas puxa, é preciso fazer sua parte. Ser mais seletiva, se vender mais caro, se dar mais valor, sabe? Não é possível que nesse mundo de meudeus não exista um homem decente que possa lhe fazer feliz. É só uma questão de tempo; um dia ele aparece. Nem precisa ser um príncipe, pode ser um sapo mesmo. Lembra do Sapo? Feio de dar dó, mas como animava nossas noites com aquela voz de chicobuarque! E aquele violão que só ele tocava lindamente.
(Sorrisinho)
– A maré não está pra peixe, o mercado está terrível, todo mundo sabe disso. Muita procura e pouca oferta, qualidade em baixa e olha que aqui em Beozonte a situação ainda é pior. Dizem que existem dez mulheres para cada homem. Dez! Não sei de onde tiraram essa estatística, mas que assusta, assusta.
– Olha, Su, quantas vezes já falamos sobre os seus homens, sua relação com eles, os cafajestes, os intelectuais sujinhos, com óculos na ponta do nariz, os sem-ter-sequer-onde-cair-mortos, pobretões rodando de carrinho um.ponto.zero, os empresários que sua prima lhe apresenta, os bons partidos da cidade. Onde é mesmo que estão os bons partidos dessa cidade? Por favor, né, você quer que eu diga o quê?
(chororô)
– Suzana, para e me escuta, mulher!
– Dá um tempo para você mesma. Ponha a cabeça no lugar. Faça um balanço do que temos conversado nas últimas semanas e tire suas conclusões. Você está muito mal, minha amiga, pode acreditar. Autoestima lá em baixo, se contentando com migalhas, com restos. Abatida. Cheia de olheiras, mais parece um urso panda. Eu, se fosse você, procurava urgente um médico. Sim, e um terapeuta também, porque só pode ser coisa séria. Mas nada de pânico, nada tão grave que um lexotan, um rivotril não resolvam. Uma mulher tão bonita, ainda nova, quantos anos mesmo? Ah, sim, trinta e seis.
Mulher inteligente, sensível, culta, viajada; dois casamentos, nenhum filho, independente, apartamento próprio (financiado pelo BNH, mas é seu!), um carrinho maneiro, importado. Olha só, o que você quer mais? Ou você se acha a única mal amada e que não tem nenhuma garotinha, tipo vinte e poucos, por aí lamentando a falta de um ombro amigo?
Sei, sei, mas com o Lourenço acabou faz tempo. Se mandou para o Canadá e não volta tão cedo. Não foi a irmã dele que disse que o cara, desde a segunda semana lá, já está morando com uma vietnamita, em Quebec? E então, vai passar o resto dos seus dias se lamentando por não ter tido paciência com ele? Que César o quê? Ele nunca te quis de verdade, te esnobava, insinuava que você era uma burguesinha, metida à classe A. Ainda que fosse de brincadeira, eu o achava um grosso, um mal educado, com aquela barbicha nojenta despencando queixo abaixo.
Não, você não é azarada, mas está dando uma de burrinha. Claro que sim. Está. Está sim. Nem parece a economista brilhante que é. Voltar pra quem? Ah, juro que você pirou de vez. Voltar para uns jantarzinhos à luz de vela, vinho chileno e várias tentativas, seguidas de muitas desistências? Foi você mesma quem me contou da disfunção erétil do Tide. Antes era terrível, agora pode ser que não? Ah, tenha dó.
– Estou lhe ouvindo, mas continuo morta de sono, amanhã… Sei, então, telefone para ele, mande e-mail e, pacientemente, aguarde uma resposta.
Que história é essa, retomar um caso de doze anos atrás. Você nem sabe se ainda é o mesmo telefone e o e-mail que a sua ex-cunhada lhe deu. Já pode ter mudado. O cara é casado, cheio de filhos, levando a vida sossegadamente, em Santo André com a sagrada família. Acho loucura. Su, você está bebendo? Vodka com sucomais, tá bom. Você é quem sabe do seu fígado amanhã.
Olha, vamos almoçar na terça ou na quarta-feira. Assim a gente conversa mais um pouco. Não, já estão todos dormindo. Sabe que horas são? Quase meia-noite, o Fantástico acabou faz tempo! Vamos parar por aqui? Eu sei, amiga, eu sei e por isso lhe escuto até o fim. Mas depois de tanto tempo, ouvindo sempre as mesmas histórias, fico sem paciência. Me desculpa, vai.
Su, eu adoro você, desejo que encontre um homem legal, que lhe faça feliz, que lhe faça um filho, do sexo masculino, para você colocar nele o nome de Pavlo. Conheço seus sonhos, sei de suas fantasias, é normal que seja assim, mas discordo de sua forma de ir à caça. Sua estratégia me incomoda e por isso, às vezes, me impaciento com suas histórias já por demais conhecidas. Não me leve a mal.
O quê? O celular? Espero, atenda então; hum… Sei e você vai? A essa hora tomar um vinho com o Caio que está em BH por dois dias. O grisalho deprimido e gaguinho, aquele que usa peruca? Então vá. Você é quem sabe. Que tenha uma noite bem divertida.
Bonne soirée!
Beijos
Tchau.
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Muito engraçado esse texto. Ri muito ao ler.