Taís Civitarese
Quando se rompe a integridade da pele, são liberadas substâncias na circulação sanguínea que recrutam células de defesa e de reconstrução para repararem o dano. A isso se chama inflamação. A pele é regenerada pela ação dos fibroblastos, células que produzem fibrina e colágeno. Enquanto isso, os linfócitos do tipo T promovem o engolimento dos agentes invasores, dentre eles, os fungos e as bactérias.
Se esses movimentos fossem todos audíveis, seriam como os sons de um exército, em que tiros, gritos, marchas e mutirões compõem a sinfonia do trabalho.
Entretanto, quando a pele se rompe, toda a reparação ocorre em silêncio. Ou ocorre com sons mínimos, líquidos, que não se é capaz de escutar. Só não existe silêncio para o tato e para os olhos pois o processo emite calor e produz vermelhidão.
Quando me rompo, preciso igualmente imergir no silêncio e simular um abrigo vermelho e quente para descansar. Toda a função e as conexões humanas me perturbam porque preciso dedicar-me aos pedaços quebrados, a remover o entulho, a misturar o amálgama e não há tempo para distrações.
Há quem se regenere na união com as pessoas, no apoio mútuo, nas palavras alheias de carinho. Meu reparo ocorre no distanciamento, na calmaria onde a construção pode ser feita apenas ao rumor da música e ao pio dos passarinhos. Sob o calor do sol da tarde ou debaixo de um cobertor. Quanto menos vozes, melhor.
Não é pessoal, é apenas um tipo de funcionamento. Somente assim poderei falar de novo e sorrir de novo. Só assim, se calar tudo por um instante. Caso contrário, o barulho infinito me ensurdecerá. Ficarei muda, robótica e anestesiada perante inclusive as belezas. Estarei em qualquer lugar sem estar.
Vez ou outra, recolho-me a esse estratagema e dele faço uso por meses, anos ou por algumas horas. Sei que é assim que me curo e ter tal noção já basta em certos momentos para ser, por si só, reconfortante.