Daniela Mata Machado
As paredes são escuras. O sol mal e mal entra por uma fresta de janela. O ambiente é frio. As pessoas estão bem vestidas e tristes. Os sorrisos são calculados e as piadas são infames. Do lado de fora, alguma coisa parece pulsar. A vida parece mais quente, mais clara e mais viva para fora dessas paredes gélidas. Mas o nosso acesso foi negado. O crachá não passou na catraca de saída.
O tempo passa lentamente, enquanto os relatórios se acumulam. Respondemos e-mails. Tomamos café. Repetimos informações protocolares. Há olhos por todos os lados. Agora mesmo… há olhos sobre nós e os nossos computadores. Há dores sobre as quais ninguém diz. Há tristezas sobre as quais não se comenta. Olhares fugidios.
Os prazos são curtos. Os compromissos são longos. A hora do almoço nunca chega. Vou pegar mais um café. Lá fora parece tão quente. O olho dele está em mim. Me dá um certo medo. O prazo está apertado. Não se sobrevive fora das paredes escuras e frias. Não se sobrevive? Para frequentar os lugares solares, é preciso um crachá que lhe dê acesso. Um crachá.
Não haverá tempo de almoço. Os prazos são curtos. O olhar onipresente deles me assombra. O sol já não consegue transpor aquela fresta pequena da janela. A luz é artificial. O ar é condicionado. A alegria é um simulacro da felicidade dos tempos idos. A memória de algo que já não existe.
Alguém quer um café? Eu quero um café. Sempre quero um café. Um cigarro também, por favor. Não há mais cigarros. Os cigarros foram abolidos há muitos e muitos anos. Na época em que trouxeram os novos notebooks e estabeleceram o silêncio como regra. Mais ou menos nos dias em que abreviaram nossos nomes e passaram a tratar por meets as nossas velhas e barulhentas reuniões. Sem cigarros, portanto. Obrigada pelo café.
Alguém fechou a fresta da janela. A luz artificial ilumina o suficiente. Os novos notebooks precisam de ambientes mais frios. Por gentileza, aumente o ar condicionado. Eu gostaria de acessar o jardim de inverno. Não há tempo. Os prazos são curtos. Em algum lugar lá fora, a vida pulsa. A vida pulsa? Em algum lugar, há crachás que dão acesso à catraca de saída.