Mário Sérgio
Alguns pontos do nosso planeta têm baixíssima densidade demográfica por razões climáticas, como é o caso dos polos glaciais, dos tórridos ou altamente salinizados desertos, como o Saara na África e o Salar de Uyuni, na Bolívia. Também há regiões inóspitas em decorrência, por exemplo, de vazamentos radioativos, que as torna, mesmo temporariamente, arriscadas à saúde e à preservação da vida. Portanto, devem ser evitadas. Há casos recentes, bastante divulgados pelas mídias, na Rússia e no Japão. E, mais antigo um pouco, já quase esquecido, o incidente com Césio-157, de Goiânia, Brasil, ainda que a área afetada fosse bem menor que os estrangeiros.
Curiosamente, o termo “desertar” que em princípio deveria aludir a um direcionamento ao deserto, na verdade indica a fuga de obrigações militares, especialmente em tempos conflagrados, abandono do dever.
A falta de sentido, de estímulo, de relações, torna a vida vazia, como na poesia de Olavo Bilac, mais conhecida na versão de L Ramos G, em castelhano, “Solar Desierto”. A longa busca solitária por aquilo que torna o viajante humano, pode encontrar um doloroso vácuo; uma casa deserta.
Também a vida pode se tornar deserto, quando morrem os sonhos, quando não se tem mais esperanças, quando projetos e planos se perdem no tempo e, às vezes, até das lembranças.
Trazemos o tema para levantar uma questão importante para as PcD. Recentemente uma senhora muito culta, mãe, pedagoga, escritora e cadeirante, depois de algum tempo fora do mercado de trabalho em consequência de longo tratamento de saúde, foi nomeada para o cargo de recepcionista num grande estádio, no DF. É bem verdade que a sua qualificação estava muito além das exigências comuns ao preenchimento desta vaga.
Usando uma expressão bem mineira, “a cavalo dado não se olha os dentes”. O que implica dizer que a “oportunidade”, não deveria ser dispensada, afinal, retornar ao mercado seria o primeiro passo para a retomada até que pudesse dispor de seu grande talento e potencial ao nível de suas competências. A remuneração parecia afronta: apenas três quartos de um salário mínimo. Ainda assim, houve quem se indispusesse, por razões torpes, como a imagem de uma PcD cadeirante na recepção do edifício, ou o seu franco sotaque nordestino. A meu ver, são atributos que elucidam importantes atos de cidadania para a entidade; mas a eles, incomodou. É estranho observar como ainda há pessoas, inclusive em cargos de mando, com mentalidade tão tacanha e preconceituosa. Pessoas que, pelas vendas escuras da ignorância, não conseguem ver o mundo para além de suas próprias deficiências sociais, morais e humanas. Chefetes com síndrome do pequeno poder, de aura arenosa, de alma vazia e vida desértica.
Gente com tamanha arrogância que se precipitam em tentar lançar os outros ao subespaço das carências.
Para muitas PcD, resta a dor de se ver alijado de oportunidades e sucessos, apesar de suas habilidades e conhecimentos, do amor que são capazes de dispor aos outros através de seu empenho e dedicação.
Um dia, talvez, o saber surpreenderá com flores tanto deserto.
Excelente reflexão e um enfrentamento a realidade, de que muitos vivem ainda a margem da sociedade, em virtude de alguma deficiência física e enfrentam barreiras, quase intransponíveis de pessoas, que deveriam ser sensíveis a essa causa, tão humana..
Parabéns, por abordar esse tema, tão vigente…
Obrigado, Valquírio.
Abraços.
Só resta abraçar fazendo alguns momentos mais ternos.
Com certeza, Keila.
Valeu.