Para Chico, Gil e Caetano

Peter Rossi

Fico ainda embasbacado com a divisão política em nosso país. Hoje pensamos como torcedores de times de futebol, racionando pela exceção – se não é do meu lado, necessariamente é do outro lado, como se existissem somente esses vieses.

A que ponto chegamos de alienação mental. Pois saibam que existem aqueles que não comungam das ideias nem de um, nem de outro. Nem por isso os consideram inimigos, seja de que lado for.

Observo que alguns dos nossos maiores artistas vêm sendo sacrificados em razão de suas escolhas, como se todo o trabalho que produziram até então não tivesse qualquer significado.

Não é difícil encontrar alguém que afirme detestar Chico Buarque. “Não consigo nem ouvir esse cara!”. Deus meu, a que ponto chegamos! Será que as obras-primas escritas por Chico foram simplesmente esquecidas. Versos eternos que sempre nos emocionaram se transformaram em meros folhetins. Aquele que melhor escreveu, no meu ponto de vista, sobre a alma feminina, sendo do sexo masculino, isso tudo não existe mais?

Ah, me desculpem! Respeito as opções políticas de cada um. Podem me dizer que não curtem este ou aquele gênero musical, também respeito. Mas anular canções tão lindas, verdadeiros poemas, é ignorar o melhor da arte, por razões que nenhuma razão tem.

Exerçam a defesa de seus pontos de vista com denodo, escolham como seus esse ou aquele candidato, mas não os considere como bichos de estimação a serem defendidos a qualquer custo e preço. Nosso país já existia antes deles e nossos poetas e compositores já faziam um trabalho maravilhoso que tanto nos fez bem, independente de qual time torciam. O trabalho vale pelo que é. Como imaginar que se Da Vinci fosse de direita, a Monalisa não seria admirada. Ou se o Davi de Michelângelo tivesse nascido pelas mãos de um sujeito de esquerda não teria valor!

Caetano e Gil também têm, sistematicamente, sua obra refutada pelo mesmo motivo. E falo sem medo de errar: aqueles que hoje criticam as suas músicas, por elas foram acalentadas em determinada época de suas vidas.

Não! Por favor, não devemos trazer a arte para o mesmo esgoto da política no nosso país. A arte é admirável; esses compositores, como vários outros, são simplesmente admiráveis.

Como não se lembrar de São Paulo na voz de Caetano cantando “Sampa”, ou não se emocionar com sua célebre canção de amor “Você é linda”? E a canção “Drão”, do Gilberto Gil, com letra magnífica. Me lembro ainda da música “Paz”, do mesmo autor. Não se consegue ouvi-la sem emocionar-se.

E o que dizer da obra artística de Chico Buarque? Músicas como “Pedaço de Mim”, de arrancar lágrimas do mais insensível.

Oh, pedaço de mim

Oh, metade arrancada de mim

Leva o vulto teu

Que a saudade é o revés de um parto

A saudade é arrumar o quarto

Do filho que já morreu

Esses versos são maravilhosos! Todos hão de convir. Poderia mencionar dezenas de outras canções inesquecíveis, como “Luiza”, “João e Maria”, dentre outras.

Não podemos nos esquecer de tais obras, sob pena de ignorar nosso próprio sucesso. Pessoas que foram ungidas pela capacidade de fazer coisas incríveis. E o mais triste disso tudo é que a motivação para tais arroubos insensatos são pessoas que se comparadas … enfim, em nada contribuíram, para ficar só por aqui.

E não me venham rotular de seguidor desse ou daquele caminho, até porque não acho que haja caminho algum nas trilhas desses adversários. São versões diferentes para o mesmo descaminho.

O que devemos fazer, a meu ver, é separar o joio do trigo. Podemos até ter preferências políticas, é direito de cada um. Mas, por favor, não vamos enterrar nossos melhores momentos na arte de um país tão jovem, por diversas vezes submisso a outras vontades, de outras matrizes.

Vamos ouvir boas músicas, algo tão raro hoje em dia. Pouco importa as crenças de quem as escreveu. O que essas músicas cantam, antes de tudo, é o amor! A ele sim devemos nos submeter.

Desprezar aqueles que sempre consideramos ídolos por motivos alheios à arte que produzem nos faz portadores dos refluxos das mentes vendadas. A história não perdoa a nação que ignora a arte, como fizeram os nazistas durante a segunda guerra mundial, ao destruírem toda e qualquer forma de arte que não a produzida em suas próprias fileiras.

Chico, Gil e Caetano, vocês são verdadeiros gênios da música! O único alento é que o homem é eterno quando o seu trabalho permanece. Aqueles que maldizem o que fizeram o fazem por motivos outros, que não a qualidade que dele emana.

Continuem a compor canções de amor… é do que precisamos.

3 comentários sobre “Para Chico, Gil e Caetano

  1. Perfeita colocação, meu amigo!
    Quem mistura política com arte, precisa no mínimo, de ter um pouco mais de bom senso, sensibilidade e inteligência. Pararam de ouvir Chico por ele ser de esquerda e comunista… AFFF, que preguiça! Na verdade, acho que Chico não merece nem uma célula de tímpanos assim!
    Um beijo!

  2. Quem mistura política com arte, precisa no mínimo, de ter um pouco mais de bom senso, sensibilidade e inteligência. Pararam de ouvir Chico por ele ser de esquerda e comunista… AFFF, que preguiça! Na verdade, acho que Chico não merece nem uma célula de tímpanos assim!
    Um beijo!

  3. Obrigada, achei que estava sozinha em uma ilha. Que era a única louca entre os sãos ou, ao contrário. Seja lá como for, descobri que agora vc também me faz companhia!

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