Nós, os camaleões

Peter Rossi

Somos dinossauros, porém insuperáveis. Na verdade, penso que somos verdadeiros camaleões de tempos atrás.

Temos uma capacidade inesgotável de adaptação que as novas gerações deixaram de lado. Hoje em dia, apesar da rapidez das novas tecnologias, parece que elas esgotaram a capacidade de mudanças, pelo menos as mudanças radicais. Tudo é muito parecido, a questão, quando não de capacidade de armazenagem, é de mero design.

E falo assim com substanciais evidências. Nos meus sessenta anos, posso asseverar, de próprio punho e em viva voz, com esses olhos que a terra há de comer, que as verdadeiras mudanças não acontecerão como já aconteceram. Parece que o ser humano chegou bem próximo de seus limites. Enfim.

Apenas para ilustrar o que digo, cito o futebol, essa paixão enlouquecida, que faz de todos nós passageiros nessa montanha-russa de emoções. Pois bem, antes acompanhávamos as partidas de futebol pelo rádio, e em meio os indigestos chiados, imaginávamos as grandes jogadas sem nunca vê-las. Assistíamos o futebol com o coração, embalados pelo som do rádio.

Logo em seguida, veio a televisão e seus chuviscos. Agora sim, poderíamos assistir aos gols, sem precisar imaginá-los. Um tempo se passou, e aquelas imagens em preto e branco, distorcidas, passaram a ser transmitidas em cores, com qualidade antes inimaginável. Passamos por tudo isso. Admito que hoje há certas dificuldades no manuseio de alguns controles-remotos, mas vencemos essa batalha.

E quanto a telefonia? Meu Deus, quanta mudança. Tempos atrás, ao girar de uma pequena manivela as telefonistas intercediam e ligando cabos em furos numa mesa, nos permitiam conversar com outras pessoas. Em seguida os telefones ganharam discos numéricos e bastava inserir o indicador num sequência determinada e lá vinha a voz do nosso interlocutor. Pouco depois, os discos deram lugar às teclas.

Em seguida, veio a telefonia celular. Quanta novidade. Hoje os telefones estão na palma de nossas mãos, ou em nosso pulso, sob a forma de relógios. Aliás, telefonia é algo muito pequeno, hoje manuseamos verdadeiros pequenos computadores que, em meio a centenas de funções, também fazem conexões telefônicas. As conexões são de vídeo, não mais de áudio apenas.

Poderia falar sobre as máquinas de escrever, num primeiro momento, mecânicas a não perdoar os erros que nos impingia a retomar o trabalho, retirando o papel, embolando e jogando na lata de lixo. Vieram em seguida as máquinas elétricas, mais sensíveis e rápidas a resultar em trabalhos mais “limpos”. Logo depois o computador e os programas de edição de textos. Todos os erros passaram a ser perdoados.

Existiram o fax, o telex, o telegrama, os cartões-postais, as cartas. Ah, as cartas de amor! Hoje sobrevive apenas o WhatsApp, com dialeto próprio a economizar letras, emulsificando um mundo sem emoção. Simples assim.

Somos mesmo dinossauros resilientes, pois por tudo isso passamos, nos acondicionamos, de uma forma ou de outra, e saímos vivos na outra ponta da linha.

E digo que fomos camaleões porque acabamos nos permitindo envolver nessas novas tecnologias, incorporando novas manias e circunstâncias. Nos adaptamos ao cenário ao redor.

Mais uma vez falando da televisão, ficamos, por certo tempo, reféns das fitas do videocassete. Aos finais de semana migrávamos para as videolocadoras, na esperança de que os filmes recém-lançados não já estivessem locados. Hoje, a Netflix nos visita, colocando à disposição enorme catálogo.

É uma mudança radical, todos hão de convir. E nós, permanecemos nós, a conviver com todas essas novidades incríveis e em nome delas nos adaptamos, não sem reconhecer que algumas trouxeram conforto.

Nós, os camaleões a enfrentar talvez o período da história em que mais novidades tecnológicas aconteceram. Camelões multicoloridos, a espiar vários cenários ao mesmo tempo. Camaleões que podem até ter certa dificuldade no manuseio da própria cauda, andando devagar, mas atentos. Camaleões felizes e saudosos.  

Um comentário sobre “Nós, os camaleões

  1. A sensação que me traz é que estamos involuindo,deixando de ser humanos para ser maqinas ,um punhado de células,músculos,nervos,sem alma e espírito,e sem centro onde se localizar.falta praças, fontes,montanhas,e outros centros,fico triste,e gostaria de escrever…

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