– Agora você vai aquietar?
Eu fiquei em silêncio porque não tinha mesmo resposta, quando minha mãe me perguntou sobre o apartamento para o qual eu acabara de me mudar. Ela riu.
– Você gosta de mudança, né?
Eu nem sei se gosto. Todo mundo detesta mudança. As pessoas reclamam de tirar as coisas do lugar, de botar as coisas em outro lugar, de se acostumar com um novo endereço, de se adaptar a novas paisagens. Eu não sei se gosto. Mudar, pra mim, é uma necessidade. Às vezes é fuga. Urgência. Eu nem sei se gosto.
Eu já chorei tanto enquanto embalava caixas. Já me esqueci da mudança e fiquei mexendo em cartas antigas, fotos amareladas. Já fui consolada pelo carreteiro. Já sorri, esperançosa, enquanto desembalava xícaras e pensava na vida que ia (re)começar. Já fiz amizades no supermercado para que os encarregados separassem para mim as melhores caixas.
– Guarda, pra mim, por favor, aquelas menorzinhas. São boas para livros. Tenho tantos livros, moço!
Já me mudei com o coração cheio de amor, acreditando que a vida ia finalmente dar certo. Já saí de casa catando cavaco, como quem foge de si mesma em busca de um canto pra ser mais feliz. Já botei o espólio de uma vida inteira em grupos de escambo e vendas de garagem, na tentativa de construir uma vida novinha em folha, com retalhos de vidas que não fossem a minha.
Já passei o dia inteiro, numa cidade estranha, esperando chegar o caminhão da mudança. Já fiz o caminho de volta como quem abandonasse a própria vida para seguir adiante, sem a menor convicção de que havia algo adiante. Já embalei e desembalei a vida sonhando com o futuro e lamentando o passado.
– Agora você podia aquietar, minha filha.
Será, mãe? Será que o um dia a gente aquieta? Às vezes a gente para num canto e decide ficar. Mas sei não se não é só cansaço de juntar as tralhas e meter tudo dentro de um caminhão. Sei não se não é só preguiça de recomeçar. Porque mudar é viver, né mãe? E viver, às vezes, dá uma canseira danada.
Sei não se algum dia vou aquietar, mãe. Bora meditar, né? Meditar é bom. Viver o que tem pra hoje. Aquietar neste instante. Porque o próximo momento, mãe… Dele eu não sei dizer nada, não.
Sei não se algum dia vou aquietar.